Apanhado*
* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 13 de Maio de 2005
1. Fui apanhado a ler o jornal enquanto o Presidente da Câmara de Viseu proferia um longuíssimo e chatíssimo discurso na Assembleia Municipal. Quem me apanhou foi o Jornal do Centro; foi a Isabel Marques Nogueira. Ela escarrapachou o caso na última página na semana passada. Para tornar as coisas mais feias ainda, a legenda da última “Foto da Semana” explicava tudo: em vez de estar a ler um jornal de referência, daqueles sóbrios e sérios, o “vereador socialista Joaquim Alexandre Rodrigues” estava a ler um suplemento satírico, o Inimigo Público, o jornal cujo noticiário é feito na ideia que “se não aconteceu, podia ter acontecido”.
Já prometi à Isabel Nogueira que me vou pagar da mesma moeda. Estou a menos de meio ano do fim do meu mandato camarário. Já me posso permitir algumas liberdades. Vou passar a levar uma máquina fotográfica para os eventos. Em vez de objecto fotográfico, que é o destino de todo e qualquer político em acto público, vou passar a ser é um fotógrafo e vou virar a objectiva preferencialmente para quem também tiver máquinas.
2. Agora há câmaras em todo o lado. Os telemóveis modernos tornaram o acto de “apanhar imagens” uma coisa de todas as horas e de todas as circunstâncias.
Mas, por mais fotografias que se façam, este carregar no botão, este guardar de luz, será sempre um instante especial. Esse instante é marcado pelo barulho da abertura do obturador (peça da “anatomia” das máquinas fotográficas mas também das armas de fogo). É um “schlaaaaap!” que nos diz “já está!”. O meu telemóvel, quando tiro uma fotografia, faz um som alto que parece um disparo. Não era necessário que ele fizesse barulho algum, nestes tempos digitais, mas o fabricante quis que soasse como um tiro esse momento especial em que se capta uma imagem.
Roland Barthes definiu assim, no seu livro “Câmara Clara”, essa fracção de segundo: “Ao nível imaginário, a Fotografia (...) representa esse momento deveras subtil em que, a bem dizer, não sou nem um sujeito nem um objecto, mas essencialmente um sujeito que sente que se transforma em objecto: vivo então uma micro-experiência da morte (...) torno-me verdadeiramente espectro.”
Deste modo, eu – objecto fotografado - sou desvitalizado, sou guardado em ficheiro, sou colocado numa memória, desapossado do meu tempo, isto é, da minha verdade.
3. Ainda no tempo das fotografias analógicas, Estaline mandou apagar os inimigos das fotografias oficiais. Foram usadas técnicas que acabaram com a ideia que uma fotografia é um documento absoluto de prova. Nunca se pode ter a certeza de que o que os nossos olhos vêem esteve de facto, num determinado tempo e num determinado espaço, à frente duma objectiva.
Agora todos temos, nos nossos computadores, essa capacidade de manipular imagens; basta sabermos uns rudimentos de Photoshop ou de outro programa similar. Uma imagem pode ainda valer como mil palavras, mas carece de um discurso de certificação.
Foi assim que eu entendi as duas linhas e meia (!) de legenda da última “Foto da Semana”, do Jornal do Centro. São palavras a autenticarem aquela fotografia. É verdade, fui apanhado. Eu estava lá, na Assembleia Municipal, naquele espaço e naquele tempo, a ler o Inimigo Público, para tentar fugir daquele espaço e daquele tempo.
4. Há 4 anos, na minha campanha, foi decidido fazer uma fotografia com 21 pessoas. Não é fácil sincronizar tanta gente. Sincronizar socialistas, seja qual for o número, então, é quase impossível. O fotógrafo queria-os a rirem-se. Houve muitas tentativas. Um terço ficava com cara de caso e outro terço com caso na cara. Em desespero, para melhorar o clima, resolvi contar uma anedota. Estive agora a rever o cartaz.
O resultado foi bom mas, nem nessas condições tão favoráveis, consegui o pleno da boa disposição.
1. Fui apanhado a ler o jornal enquanto o Presidente da Câmara de Viseu proferia um longuíssimo e chatíssimo discurso na Assembleia Municipal. Quem me apanhou foi o Jornal do Centro; foi a Isabel Marques Nogueira. Ela escarrapachou o caso na última página na semana passada. Para tornar as coisas mais feias ainda, a legenda da última “Foto da Semana” explicava tudo: em vez de estar a ler um jornal de referência, daqueles sóbrios e sérios, o “vereador socialista Joaquim Alexandre Rodrigues” estava a ler um suplemento satírico, o Inimigo Público, o jornal cujo noticiário é feito na ideia que “se não aconteceu, podia ter acontecido”.
Já prometi à Isabel Nogueira que me vou pagar da mesma moeda. Estou a menos de meio ano do fim do meu mandato camarário. Já me posso permitir algumas liberdades. Vou passar a levar uma máquina fotográfica para os eventos. Em vez de objecto fotográfico, que é o destino de todo e qualquer político em acto público, vou passar a ser é um fotógrafo e vou virar a objectiva preferencialmente para quem também tiver máquinas.
2. Agora há câmaras em todo o lado. Os telemóveis modernos tornaram o acto de “apanhar imagens” uma coisa de todas as horas e de todas as circunstâncias.
Mas, por mais fotografias que se façam, este carregar no botão, este guardar de luz, será sempre um instante especial. Esse instante é marcado pelo barulho da abertura do obturador (peça da “anatomia” das máquinas fotográficas mas também das armas de fogo). É um “schlaaaaap!” que nos diz “já está!”. O meu telemóvel, quando tiro uma fotografia, faz um som alto que parece um disparo. Não era necessário que ele fizesse barulho algum, nestes tempos digitais, mas o fabricante quis que soasse como um tiro esse momento especial em que se capta uma imagem.
Roland Barthes definiu assim, no seu livro “Câmara Clara”, essa fracção de segundo: “Ao nível imaginário, a Fotografia (...) representa esse momento deveras subtil em que, a bem dizer, não sou nem um sujeito nem um objecto, mas essencialmente um sujeito que sente que se transforma em objecto: vivo então uma micro-experiência da morte (...) torno-me verdadeiramente espectro.”
Deste modo, eu – objecto fotografado - sou desvitalizado, sou guardado em ficheiro, sou colocado numa memória, desapossado do meu tempo, isto é, da minha verdade.
3. Ainda no tempo das fotografias analógicas, Estaline mandou apagar os inimigos das fotografias oficiais. Foram usadas técnicas que acabaram com a ideia que uma fotografia é um documento absoluto de prova. Nunca se pode ter a certeza de que o que os nossos olhos vêem esteve de facto, num determinado tempo e num determinado espaço, à frente duma objectiva.
Agora todos temos, nos nossos computadores, essa capacidade de manipular imagens; basta sabermos uns rudimentos de Photoshop ou de outro programa similar. Uma imagem pode ainda valer como mil palavras, mas carece de um discurso de certificação.
Foi assim que eu entendi as duas linhas e meia (!) de legenda da última “Foto da Semana”, do Jornal do Centro. São palavras a autenticarem aquela fotografia. É verdade, fui apanhado. Eu estava lá, na Assembleia Municipal, naquele espaço e naquele tempo, a ler o Inimigo Público, para tentar fugir daquele espaço e daquele tempo.
4. Há 4 anos, na minha campanha, foi decidido fazer uma fotografia com 21 pessoas. Não é fácil sincronizar tanta gente. Sincronizar socialistas, seja qual for o número, então, é quase impossível. O fotógrafo queria-os a rirem-se. Houve muitas tentativas. Um terço ficava com cara de caso e outro terço com caso na cara. Em desespero, para melhorar o clima, resolvi contar uma anedota. Estive agora a rever o cartaz.
O resultado foi bom mas, nem nessas condições tão favoráveis, consegui o pleno da boa disposição.
E havia/houve motivos para rir?
ResponderEliminarFoi uma vereação "de mais"!
Muitos deram ao "slide" logo que eleitos, trataram da vidinha.
"Sincronizar socialistas, seja qual for o número, então, é quase impossível.", escreveu a experiência.
Senhor anónimo, está enganado, os vereadores eleitos cumpriram integralmente os seus mandatos.
EliminarNo meu caso pessoal, não falhei a nenhuma sessão camarária nos oito anos que integrei o executivo municipal, nem durante as férias.
O socialismo com humor! Muito boa a fotografia!
ResponderEliminarMuito obrigado, senhor anónimo
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