Desobedecer *

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


1. Como se sabe, a natureza tem horror ao vazio. À medida que os cada vez piores políticos da terceira república se encolhem, os juízes vão invadindo os seus terrenos.

Isto não é nenhuma indirecta ao Tribunal Constitucional que existe para isso, para tomar decisões políticas. Isto é uma directa às intrusões dos tribunais nas competências mais óbvias do poder executivo.

Termos um tribunal a meter o nariz no destino dos 85 quadros de Miró do BPN é, acima de tudo, risível. Já a decisão recente de uma juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa não dá vontade nenhuma de rir e merece reflexão.

Eis o que aconteceu: um despacho de Dezembro do ministério da saúde passou a permitir aos técnicos de emergência nas ambulâncias ministrarem injecções de glicerina a doentes em choque hipoglicémico (injecção que qualquer pessoa aprende num instante a dar e que pode fazer a diferença entre a vida e a morte); a ordem dos enfermeiros não gostou do despacho e contestou-o em tribunal; em Maio, uma juíza deu razão aos enfermeiros e proibiu a referida injecção.

Esta decisão judicial põe um imperativo ético ao pessoal das ambulâncias — num caso de risco de vida eles têm a obrigação de desobedecer à ordem do tribunal e dar a referida injecção. Mesmo que, caso se revele necessário, seja na referida senhora doutora juíza.


Fotografia Olho de Gato
2. Numa muito boa entrevista a Ana Lourenço na SICn em 24 de Junho, António Costa começou a distanciar-se do socratismo. Disse que tinha havido "excesso de voluntarismo" nas obras públicas e que “a guerra contra os professores devia ter sido evitada”.

Já no passado domingo, em Mangualde, António Costa não se mostrou em boa forma. Ficar-se pela necessidade do interior se virar para os vizinhos espanhóis é pouco. Satisfaz um apoio tóxico que tinha na assistência, o de Paulo Campos campeão de pórticos e PPPs nas auto-estradas, mas é pouco.

Este pouco dá para ganhar o partido, não chega para ganhar o país.

Comentários

  1. O problema não reside na competência ténica para administrar o medicamento mas sim na competência para a sua prescrição que é um acto médico, conforme o Tribunal confirmou.

    Rui

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    1. Rui,

      O pessoal das ambulâncias afirma que, na mais de uma centena de emergências acontecidas, todas as injecções salvadoras foram dadas depois do ok médico.

      A prescrição médica prévia aplica-se tanto ao pessoal das ambulâncias como aos enfermeiros.

      Não havendo um enfermeiro, a injecção, em caso de risco de vida, TEM que ser dada.

      Pelo que se fica no mesmo. Entre uma vida e uma decisão judicial a escolha ética só pode ser uma. Ponto.

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  2. TEM?! terá se estiver disponível no local e de que modo: subcutânea e ou intramuscular, intravenosa, intradérmica?

    Rui

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    1. Grande argumento esse do "se estiver disponível no local".
      :-)

      Havia uma música assim: se-cá-nevasse-fazia-se-cá-ski

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  3. Com atraso, que isto de estar sempre em cima das notícias não é fácil, aqui deixo duas linhas sobre o comentário de Costa, em Mangualde, sobre os professores.

    No contexto da época, início do mandato de Sócrates, havia uma disponibilidade única para se conseguir implementar uma verdadeira reforma da educação e no particular um sistema de avaliação dos professores.

    Mas o que tiveram os professores?
    A arrogância, a aposta na estigmatização dos professores, de os apresentar como “os maus da fita” e os responsáveis pelos males da escola pública. Os professores uns relapsos e um ensino uma balda. Atitude intolerante, autoritária, sempre com a táctica da afronta directa. Sempre com a demagogia de que a culpa era dos professores. Um discurso de diminuição do papel dos professores perante a sociedade e que vai durar anos a curar as feridas abertas.

    Os professores explodiram na rua contra a inflexibilidade e o tom de humilhação (isso mesmo, foram HUMILHADOS) por Sócrates e essas figura trágicas chamadas Maria de Lurdes Rodrigues, Margarida Moreira, o sr da CONFAF e Cª, que ODIARAM os professores. Uma avaliação desejada mas que de inalterável foi afinal descartável a cada cedência que a Ministra foi fazendo.

    A vitória de Sócrates foi a desmoralização dos professores e ida de milhares de bons e ainda muito válidos profissionais para a reforma.
    Mas sobre os negócios do poder central, no campo da educação, nada disse ou fez…pois!

    E já agora onde estiveram os deputados/professores (Junqueiro e Ginestal) nessa época? Sempre ao lado de Lurdes Rodrigues e com manifesta displicência para quem os avisou ou os interpelou para os erros que estavam a ser cometidos. Lurdes era a “Reformadora” !!!

    Em anterior comentário ( 1 de julho / o PS até 28 de Setembro) dei conta de uma divergência com António Costa: a Municipalização da Educação. Não por acaso as edições do jornal Público de 4 e 5 de julho abordam esta temática com notícias muito preocupante. Basta ler o editorial da edição de 5 de julho, com o título “A Educação a jogar ao Monopólio”, para antever o que espera a escola pública e os nossos filhos.

    Em conclusão, António Costa não pode apelidar de «teoria do pisca-pisca», uma política de alianças. Esse é um debate incontornável, face ao estado a que o partido chegou.
    A necessidade de o PS fazer alianças de governação à esquerda e de se aproximar dos sindicatos como forma de cumprir o seu papel de partido dos trabalhadores.

    Se é para regressar ao pensamento do “There is no Alternative” de Thatcher/Sócrates, com o abandonar do ideário social-democrata e socialista, então fico já aqui…!

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    1. Só uma pequena "nota de reportagem", JB, a referência de Costa à "guerra de professores" foi na SIC, numa entrevista a Ana Lourenço, não foi em Mangualde.

      "Nota de reportagem" porque estive lá.

      Também devia, amanhã, ir a S. Pedro do Sul a António José Seguro mas...

      Vou tentar abastecer-me de resistência a "calimerices" e ir lá.

      Não prometo.

      Abraço

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