Pássaros (ou o elogio do silêncio) *
* Texto publicado no Jornal do Centro, em 28 de Outubro de 2005, em plena histeria mediática da gripe das aves.
1. Duma varanda da minha casa observo um bando de aves a voltejar em torno do prédio. Olho para elas. Vão e vêm. Não param de voar.
A minha memória de filmes leva-me até Bodega Bay, a baía da Califórnia onde Alfred Hitchcok pôs os seus pássaros a atacarem Tippi Hedren e a furarem as cabines telefónicas com os bicos. Pássaros maus, de maldade má, pior que o vírus H5N1. “Birds”. “Pássaros”.
Um dia destes, um programador de televisão sádico vai passar o filme do velho Hitch para assombrar, ainda mais, o nosso serão.
Um dia destes, um programador de televisão sádico vai passar o filme do velho Hitch para assombrar, ainda mais, o nosso serão.
Olho para a passarada. Continua o seu esvoaçar pelo meu bairro fora. Serão migrantes? Terão vindo da Croácia? Da Roménia?
De hora a hora, as notícias sobre a gripe das aves aumentam o receio das pessoas e monopolizam a atenção do público. Veterinários e virologistas são as estrelas do momento.
No país há mais inquietação que Tamiflu.
2. O Teatro Viriato pôs um objecto grande e misterioso no Claustro do Lar-Escola de Santo António. É uma caixa de madeira que está cheia de histórias para as nossas crianças inventarem.
Fernanda Fragateiro, a responsável por esta "Caixa Para Guardar o Vazio", disse: “Enchemos demasiado o espaço. É preciso deixarmos um património de vazio para os nossos filhos (…)”
É verdade: falta-nos “espaço vital”. Precisamos também de “vazio de som”. Não há silêncio em lado nenhum.
Imagem daqui |
3. Os pássaros continuam às voltas no meu bairro. Não cantam nem chilreiam. Voam em silêncio.
Ao menos eles.
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