O regresso da Igreja do Concreto? *
«O mais absurdo é que a crença no abstrato, este regresso ao pensamento primitivo que invadiu o mundo contemporâneo, foi acompanhado por uma destruição sem precedentes da matéria concreta.
Foram abatidos na Europa vacas e barcos, campos de cultivo foram desativados, máquinas destruídas ou impedidas de trabalhar, pois não se devia produzir mais do que uma certa quantidade.
E ano após ano os dois processos foram avançando em paralelo: destruição das coisas que no mundo tinham volume e multiplicação dos papéis sem volume que simbolizavam riqueza. Acreditou-se, no fundo, que a riqueza estava nos signos e que as vacas, os barcos ou os metros quadrados eram uma riqueza, sim, mas antiga, ultrapassada, inadequada. Uma riqueza sem higiene, dir-se-ia.»
(...)
Imagem daqui |
«Em suma, a crise na Europa resulta de inúmeras causas, sem dúvida, mas uma parte da questão é esta: estamos agora diante de uma mudança de crença.
A Igreja do Abstrato, a crença no papel que vale dinheiro, parece ter chegado a um beco sem saída, e o número dos seus fiéis diminui – uns abandonam voluntariamente, outros contra vontade, muitos de forma trágica.
E talvez com o fim desta crença se esteja a regressar, então, a uma outra. A moderna Igreja do Concreto parece, assim, a cada dia, recuperar a posição forte que já teve – a crença no que é matéria: a crença nas vacas, nos barcos, nos campos e nas máquinas – aí está ela, de volta.
(E assistiremos nós, ainda, à destruição dos papéis?)»
Gonçalo M. Tavares,
in E-u-r-o-p-a
* Texto integral aqui.
A globalização da Economia ultrapassa a " simpes" E-U-R-O-P-A.Esta é apenas uma faceta da crise, que não é só Europeia, mas tem a ajuda dos vários blocos económicos mundiais.
ResponderEliminarDesde 1986 enquantos os fundos "entraram", muitos dos que agora criticam benificiaram em todos os aspectos.Agora que ´se instalou a crise surge uma "memória curta", comum, diga-se de passagem.
Houve factores que entravaram o processo e não apenas a " Igreja do abstrato", mas sim o " valor das pessoas": desviando aqui e acolá,melhorando o seu património pessoal, etc.
Enquanto a situação financeira aparentemente estava de "boa saúde", os sistemas de crédito venderam ilusões, construiram-se castelos de cartas, que agora desmoronam. Nada de novo.mas dê-se valor( mesmo que relativo) ao que ao longo de 25 anos a União Europeia fez por nós, mesmo com todos os defeitos.Também gostava de ver quem defende a Igreja do Concreto, a trabalhar nela duramente, como faziam os agricultores e pescadores antes do 25 de Abril.Era importante quem critica, dar bons exemplos, porque escrever todas estas ideias( brilhantes) num papel, também não custa nada...
Caro anónimo,
ResponderEliminarSegundo julgo perceber, a "confinação" de Gonçalo M. Tavares à E-U-R-O-P-A prende-se ao tema da "encomenda" que foi feita a dez intelectuais do "velho continente" que pode apreciar aqui: http://www.presseurop.eu/pt/content/topic/451161-dez-historias-sobre-europa
A qualidade do seu comentário honra este blogue.
Cumprimentos