Desobedecer *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 4 de Julho de 2014


1. Como se sabe, a natureza tem horror ao vazio. À medida que os cada vez piores políticos da terceira república se encolhem, os juízes vão invadindo os seus terrenos.

Isto não é nenhuma indirecta ao Tribunal Constitucional que existe para isso, para tomar decisões políticas. Isto é uma directa às intrusões dos tribunais nas competências mais óbvias do poder executivo.

Termos um tribunal a meter o nariz no destino dos 85 quadros de Miró do BPN é, acima de tudo, risível. Já a decisão recente de uma juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa não dá vontade nenhuma de rir e merece reflexão.

Eis o que aconteceu: um despacho de Dezembro do ministério da saúde passou a permitir aos técnicos de emergência nas ambulâncias ministrarem injecções de glicerina a doentes em choque hipoglicémico (injecção que qualquer pessoa aprende num instante a dar e que pode fazer a diferença entre a vida e a morte); a ordem dos enfermeiros não gostou do despacho e contestou-o em tribunal; em Maio, uma juíza deu razão aos enfermeiros e proibiu a referida injecção.

Esta decisão judicial põe um imperativo ético ao pessoal das ambulâncias — num caso de risco de vida eles têm a obrigação de desobedecer à ordem do tribunal e dar a referida injecção. Mesmo que, caso se revele necessário, seja na referida senhora doutora juíza.


Fotografia Olho de Gato
2. Numa muito boa entrevista a Ana Lourenço na SICn em 24 de Junho, António Costa começou a distanciar-se do socratismo. Disse que tinha havido "excesso de voluntarismo" nas obras públicas e que “a guerra contra os professores devia ter sido evitada”.

Já no passado domingo, em Mangualde, António Costa não se mostrou em boa forma. Ficar-se pela necessidade do interior se virar para os vizinhos espanhóis é pouco. Satisfaz um apoio tóxico que tinha na assistência, o de Paulo Campos campeão de pórticos e PPPs nas auto-estradas, mas é pouco.

Este pouco dá para ganhar o partido, não chega para ganhar o país.

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