Limpar casas de banho*
* Hoje no Jornal do Centro, nas bancas e aqui
No meio do Parque Yoyogi Fukamachi, em Shibuya (Tóquio), há um WC com paredes de vidro, todo o seu interior é visível quando está livre. Quando alguém, mais ou menos aflito, entra e tranca a porta, os vidros ficam opacos e os utentes ficam ao abrigo de olhares indiscretos.
Para as fazer, foram convidados criadores de todo o mundo e, para lhes dar visibilidade, foi pedido a Wim Wenders que fizesse uma curta-metragem ou as fotografasse.
Um parêntesis: o convite faz todo o sentido porque Wenders é tão bom cineasta como bom fotógrafo. Em Viseu, na segunda metade dos anos de 1980, houve uma memorável exposição de fotografias do realizador alemão, intitulada “Written In The West”, com imagens captadas durante a preparação do seu imortal “Paris, Texas”. Fim de parêntesis.
Ora, chegado a Tóquio, Wim Wenders percebeu que aquelas peças de arquitectura urbana mereciam mais do que lhe estava a ser pedido e que tinha de fazer uma história onde aqueles WC aparecessem.
Foi assim que surgiu “Perfect Days / Dias Perfeitos”, um filme retro no formato da imagem (4:3) e na música (rock dos anos 70 e 80), em que o protagonista limpa com afinco e zelo estas extraordinárias casas de banho.
Limpar casas de banho. Sim, o filme trata disso. Mas é muito mais do que isso. É um filme a transbordar de humanidade que, no fim, nos põe um sorriso na cara e a cantar “Feeling Good” em coro com Nina Simone.
Não pensemos para já nas próximas eleições, muito menos nos ex-jotinhas que agora mandam nos partidos e vão fazer as listas dos próximos deputados.
Continuemos a pensar em “Dias perfeitos” enquanto lemos este poema escrito em Alcácer do Sal, em 1218, por Abdalá Ibne Uázir:
Não desesperes de chegar a califa
pois Ibne Amr foi nomeado inspector das alfândegas.
Desgraçada época em que se fazem coisas como esta
colocar altos cargos nas mãos de um limpador de esgotos…
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