Coro de escárnio e lamentação dos cornudos em volta de S.Pedro


MONÓLOGO DO 1.º CORNUDO

I
Acordei um triste dia
Com uns cornos bem bonitos.
E perguntei à Maria
Por que me pôs os palitos.

II
Jurou por alma da mãe
Com mil tretas de mulher
Que era mentira. Também
Inda me custava a crer...

III
Fiquei de olho espevitado
Que o calado é o melhor
E para não re-ser enganado,
Redobrei gozos de amor.

IV
Tais canseiras dei ao físico,
Tal ardor pus nos abraços
Que caí morto de tísico
Com o sexo em pedaços!

V
Esperava por isso a magana?
Já previa o que se deu?...
Do além vi-a na cama
Com um tipo pior do que eu!

VI
Vi-o dar ao rabo a valer
Fornicando a preceito...
Sabia daquele mister
Que puxa muito do peito.

VII
Foi a hora de me eu rir
Que a vingança tem seus quês:
«O mais certo é práqui vir,
Inda antes que passe um mês».

VIII
Arranjei-lhe um bom lugar
Na pensão de Mestre Pedro
(Onde todos vão parar
Embora com muito medo...)

IX
Passava duma semana
O meu dito estava escrito
Vítima daquela magana
Pobre tísico, tadito!

DUETO DOS 2 CORNUDOS

X
Agora já somos dois
A espreitar de cá de cima
Calados como dois bois
Vendo o que faz a ladina

XI
Meteu na cama mais gente
Um, dois, três... logo a seguir!
Não há piça que a contente
É tudo que tiver de vir!

S. PEDRO, INDIGNADO, PRAGUEJA.

XII
- É de mais!... Arre, diabo!
- Berra S. Pedro, sandeu.
–E mortos por dar ao rabo
Lá vêm eles pró Céu!

CORO, PIANÍSSIMO, LIRISMO NAS VOZES

XIII
Que morre como um anjinho
Quem morre por muito amar!

CORO, AGORA NARRATIVO OU EXPLICATIVO.

Já formemos um ranchinho
De cá de cima, a espreitar.

XIV
Passam meses, passa tempo
E a bela não se consola...
Já semos um regimento
Como esses que vão prá Ingola!

(APARTE DO AUTOR DAS COPLAS: «COITADINHOS!»)

XV
Fazemos apostas lindas
Sempre que vem cara nova.
Cálculos, medidas infindas
Como ela terá a cova.

XVI
Há quem diga que por si
Já não lhe topou o fundo...
Outros juram que era assi
Do tamanho... deste Mundo!

XVII
- Parecia uma piscina!
–Diz um do lado, espantado.
- Nunca vi uma menina
Num estado tão desgraçado!

APARTE DO AUTOR, ANTIGO MILITANTE DAS ESQUERDAS (BAIXAS).

XVIII
(Um estado tão desgraçado?!...
Pareceu-me ouvir o Povo
Chorando seu triste fado
nas garras do Estado Novo!)

XIX
O último que chegou cá
Morreu que nem um patego:
Afogado, ieramá,
Nos abismos daquele pego.

O CORO DOS CORNUDOS, ACOMPANHADO POR S. PEDRO EM SURDINA, ENTOA A MORALIDADE, APÓS TER LIMPADO AS ÚLTIMAS LAGRIMETAS E SUSPIRANDO COMO SÓ OS CORNUDOS SABEM.

XX
Mulher não queiras sabida
Nem com vício desusado,
Que podes perder a vida
Na estafa de dar ao rabo.

XXI
Escolhe donzela discreta
Com os três no seu lugar.
Examina-lhe a greta,
Não te vá ela enganar...

XXII
E depois de veres o bicho
E as maneiras que tem
A funcionar a capricho,
Já sabes se te convém.

XXIII
Mulher calma, é estimá-la
Como a santa no altar.
Cabra douda, é rifá-la...
- Que não venhas cá parar.

XXIV
Este conselho te dão,
E não te levam dinheiro...
Os cornudos que aqui estão
Com S. Pedro hospitaleiro.

XXV
Invejosos quase todos
Dos conos que o mundo guarda

FAZEM MAIS UM BOCADO DE LAMENTAÇÃO. NOTA DO AUTOR: QUASE, PORQUE ENTRETANTO ALGUNS BRINCAVAM UNS COM OS OUTROS. 
RABOLICES!

Mas se fornicas a rodos
Tua vinda aqui não tarda!

RECOMEÇA A MORALIDADE, ESTILO ESTÃO VERDES, NÃO PRESTAM. ALGUNS BÊBADOS, CORNUDOS DESPEITADOS OU AMARGURADOS. VOZES PASTOSAS. DEVE LER-SE: VIIINHO...VÉLHIIINHO...

XXVI
Melhor que a mulher é o vinho
Que faz esquecer a mulher...
Que faz dum amor já velhinho
Ressurgir novo prazer.

FINALE, MUITO CATÓLICO.

XXVII
Assim termina o lamento
Pois recordar é sofrer.
Ama e fode. É bom sustento!
E por nós reza um pater.
Luiz Pacheco
Num dia em que se achou
Mais pachorrento.
Luiz Pacheco




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