Realismo— [Cláudia R. Sampaio #3]

Fotografia Olho de Gato



Tinhas a mesma vontade que eu 
de louvar a imperfeição 
de chamar as coisas pelos nomes 
mesmo as que nem chamar se chamam 
e o desatino do extremo cansaço. 
É por isso que a nossa felicidade,  
a que nem sabemos se é 
(mas podemos fingir) 
está na tristeza que aclamo, logo ao despontar do dia 
e na rotina que me despejas, por vezes, 
ao fechar da noite. 
A minha fé está na dedicação  
com que arrumas a loiça lavada 
e a tua, 
está na emoção com que ajeito os lençóis 
antes de fechar os olhos. 

Não existe mais nada para além deste querer 
Querer sentar-me contigo 
e contar-te o desnorte amargo das 
minhas palavras 
querer 
continuar a adorar-te, apesar da dor de estômago.

Não te escondo que já me doeram todas as coisas 
a vida, a não vida, 
a voz, os cabelos, o pão 
mas ao saber-te sentado no momento em  
que abrir a porta 
deus da secretária de madeira 
pai-nosso, amor-meu! 
tão existente quanto despojado das  
grandes coisas 
não há mundo nem ponta de estômago por  
mais inflamada que esteja 
que me impeçam 
de não-doer.
Cláudia R. Sampaio


 

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