Multitude *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 4 de Outubro de 2012


As duas grandes manifestações feitas em Portugal em Setembro foram diferentes:


— a do dia 15 teve convocatória apartidária, via Facebook, realizou-se em várias cidades do país, e só contou com a criatividade e a espontaneidade dos manifestantes;



— já a do último sábado, polarizou-se toda ela no Terreiro do Paço, foi organizada da forma tradicional, com transportes de manifestantes em autocarros, e com o enquadramento costumeiro das manifs da Intersindical.
    

Na do dia 15, uma multitude, na do dia 29, uma multidão. A diferença é qualitativa, não é quantitativa.  Michael Hardt e Antonio Negri, em “O Império” (2001), explicam: enquanto na “multitude” há diferenciação e individualização, na “multidão” há homogeneização e dissolvência do individual no colectivo.   

“Multitude” é um conceito político que vem de Maquiavel e Espinosa, tendo este filósofo descendente de judeus portugueses visto nela o contra-peso mais forte que há a um poder: “todo o dirigente tem mais a recear dos seus próprios cidadãos do que de qualquer inimigo estrangeiro”.

 Uma “multitude” é muito mais do que uma “multidão com atitude”. A “multidão” da Intersindical não põe grandes problemas ao poder, já a “multitude” é corrosiva e põe-lhe problemas sistémicos agudos.

A manifestação da “geração à rasca”, feita em 12 de Março de 2011, varreu o autoritarismo negocista de José Sócrates. 

Agora, em 15 de Setembro este “que se lixe a troika!”...

... demoliu o edifício moral de Pedro Passos Coelho.

Sócrates caiu pouco depois, não tinha maioria que o segurasse no parlamento. A maioria de Pedro Passos Coelho, pelo menos para já, vai-o aguentar. Mas parece, cada vez mais, um submarino a meter água na casa das máquinas.


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