Organizadores*
* Publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 21 de Setembro de 2012
Escrevo esta crónica na sexta-feira dia 14. Esta antecipação de uma semana é um “tem que ser” pessoal que pode tornar esta crónica obsoleta, já que estamos em pleno momento de aceleração política, e, quando estas linhas chegarem às mãos dos leitores, pode até não haver governo, embora isso não seja provável. Os silêncios e o suspense de Paulo Portas devem-se só à preparação do estômago do CDS para a digestão da dose nutrida de sapos incluídos no próximo orçamento de estado.
As legislativas do ano passado foram as mais mentirosas desta terceira república. Nem José Sócrates, nem Passos Coelho, nem nenhum outro político explicou que o programa do governo que ia sair das eleições ia ser o memorando de entendimento assinado com os credores.
O país vive, desde 17 de Maio de 2011, em estado de negação: ninguém assume que somos neste momento um protectorado nas mãos dos credores. É claro que os políticos — sob pena de passarem a ser vistos como meros feitores do rectângulo — não o podem reconhecer e, por isso, todos eles têm usado o velho truque de Jean Cocteau: “uma vez que estes mistérios nos ultrapassam, finjamos ser os seus organizadores.”
A Troika, o “organizador” dos sacrifícios que estamos a sofrer, funcionava como pára-raios perfeito da impopularidade. Um dos seus trabalhos é mesmo esse: servir de bode expiatório para as opiniões públicas dos países intervencionados.
Só que Passos Coelho preferiu fingir que era ele o “organizador” daquele iníquo “subtraio-aos-trabalhadores-para-somar-aos-empresários”. O primeiro-ministro não ter percebido que isso era um erro crasso é um mistério.
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