Amor à última vista
Charlotte — Scarlett Johanssen, de Sofia Coppola, 2003 |
"Pensar o visível implica pensá-lo a partir do outro e com o outro, que não é nunca aos nossos olhos um para-si como é um para-nós.
Charlotte é para-nós, como diria Baudelaire, um «amor que foge ao poeta».
Ou, melhor, fiquemo-nos com as palavras de [Walter] Benjamin (a propósito do soneto 'A uma transeunte' de Baudelaire): «Aquele 'nunca' é o clímax do encontro: 'um amor à última vista'."
Helena Pires, in DE PASSAGEM. NOS RASTOS DE UM PERCURSO IMAGINÁRIO, seminário IMAGEM E PENSAMENTO, Centro Cultural de Belém, Dez/2007
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A uma transeunte
A rua ia gritando e eu ensurdecia.
Alta, magra, de luto, dor tão majestosa,
Passou uma mulher que, com mãos sumptuosas,
Erguia e agitava a orla do vestido;
Nobre e ágil, com pernas iguais a uma estátua.
Crispado como um excêntrico, eu bebia, então,
Nos seus olhos, céu plúmbeo onde nasce o tufão;
A doçura que encanta e o prazer que mata.
Um raio... e depois noite! — Efémera beldade
Cujo olhar me fez renascer tão de súbito,
Só te verei de novo na eternidade?
Noutro lugar, bem longe! É tarde! Talvez nunca!
Porque não sabes onde vou, nem eu onde ias,
Tu que eu teria amado, tu que bem o sabias!
Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal
Trad.: Maria Gabriela Llansol
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