Undízimo

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Merece toda a compreensão do mundo o tom satisfeito, quase jubilatório, com que o município de Viseu noticiou esta semana que “já pode avançar” a muito prometida “requalificação da estrada que liga Viseu ao Sátão”. O comunicado da autarquia suspira de emoção a descrever este “sonho antigo que obrigou a três longos anos de negociações”.

Alguns detalhes mais prosaicos: 

— a Infraestruturas de Portugal vai empochar 1 milhão e 150 mil euros que exigiu à câmara de Viseu;

— a IP vai esmifrar os 250 mil euros que impôs à câmara do Sátão;

— ao todo, há um “investimento previsto de cerca de 12,3 milhões de euros”.

António Almeida Henriques e Paulo Santos, 
presidentes das câmaras de Viseu e do Sátão
Fotografia Diário de Viseu — daqui

Durante a primeira geringonça, a câmara de Lisboa comprou à segurança social uns prédios abaixo do preço do mercado, numa operação imobiliária que foi explicada nestes termos por uma auditoria do Tribunal de Contas: “as condições” foram “vantajosas para o Município, em detrimento da receita e da sustentabilidade do orçamento da segurança social”. Trocando por miúdos: houve uma espécie de subsídio do então ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, a Fernando Medina.

Depois dos prédios municipalizados, passou-se à fase seguinte — fazer neles apartamentos de “renda acessível”. A câmara alfacinha está a fazer isso. E à grande e à francesa. Perdão, à grande e à lisboeta. Cada um daqueles apartamentos “sociais” vai derreter mais de 400 mil euros em obras. 

Nenhum problema para a câmara da capital do reino. Primeiro, usufruiu da generosidade da segurança social. Agora vai ter as obras pagas a 100% pela “bazuca” europeia. 


Resumindo e concluindo: 

— para obras em casinhas “sociais” de 400 mil euros em Lisboa — onde vão viver uns poucos felizardos —, o ministro das Infraestruturas e da Habitação dá tudo, tudo, tudo;

— já para o melhoramento da estrada Viseu-Sátão — que atravessa terras pobres do interior e é utilizada diariamente por milhares e milhares de pessoas —, o bispo Pedro Nuno Santos, da Igreja Universal do Governo de Portugal, não dispensa o dízimo. 

Feitas bem as contas, é mais do que um dízimo, é um undízimo — as duas câmaras são obrigadas a custear 11% da empreitada.

 

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