O caminho é o poema

Fotografia de Ray Fragapane



É uma linha lenta
sempre recta, sempre certa, incerta
para onde quer que se vire
é uma linha lenta
sempre recta, sempre certa
incerta
para onde quer que se vire
o caminho é como o poema
revela-se e auto destrói-se nesse preciso momento
torna-se desnecessário,
irrepetível, em vício ermo de um deus obsoleto

O caminho é como o poema
depois de percorrido até ao fim, torna-se outro
e outro e outro e outro e outro
até chegar aqui, a este lugar onde acabo
e parto com uma única certeza
a de que não poderei continuar em frente
por isso paro.

paro por uns instantes e olho para trás,
não para fugir
mas apenas para contemplar uma última vez
as ruínas os poemas as portas que escolhi
agora são ombros sem cabeça sem carne sem sombra
são esqueleto cimento
nuvem noite e silêncio seco, morto
são pedaços de sol morto com vários nomes que trago comigo
cabelos e pele
pessoas inteiras que não consegui recuperar
da condição mágica e cruel do sonho
por mais que as segurasse

é uma linha lenta sempre recta, sempre certa, incerta
para onde quer que se vire
é uma linha lenta sempre recta, sempre certa
incerta, certa
para onde quer que eu vire
o caminho é o poema

é uma linha lenta sempre recta, sempre certa, incerta
para onde quer que se vire
o caminho é como o poema,
ainda não existe
por isso no bolso trago apenas a moeda de Heisenberg
com o saldo da minha vida
de um lado crédito
do outro dívida
uma linha lenta
sempre recta, incerta
uma linha lenta sempre recta, incerta
de um lado crédito, do outro dívida
saberei quanto pagar?
José Anjos


 

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