Por um fio*

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A maneira como comunicamos uns com os outros está cada vez mais nómada, mais instantânea, mais inescapável.

Há quinze anos, 99% dos mails só podiam ser enviados ou lidos nos computadores de casa ou do trabalho. Agora é como se sabe: tratamos de assuntos por WhatsApp, por Messenger, por Telegram, por Zoom, por um nunca acabar de canais e apps diferentes, a todas as horas e em todos os lugares.


Daqui
Há quinze anos, ainda havia telefones agarrados por um fio a uma parede. Agora não.
Isto é bom, isto é mau. Depende. Isto dá mais liberdade, isto dá menos liberdade. Depende.

É bom porque trazemos no bolso a omnisciência do sr. Google, é mau porque o nosso chefe pode contactar-nos a qualquer hora.

Dá mais liberdade porque não precisamos de estar perto da parede que tem o fio do telefone. Dá menos liberdade porque o cônjuge e o colega-melga começam todos os telefonemas com um "onde tás?"

Enfim, as coisas são como são. Está um calor de ananases, é verão em ano da peste. Albufeira em vez de ingleses bêbedos tem púberes holandeses desconsolados por não terem a chave que abre as discotecas.

É verão em ano da peste e o dr. Sobrado, em Viseu, prepara uns cubos mágicos, uns micro-eventos no valor de meio milhão de euros, num programa de verão "alternativo & seguro & safe & clean", a que só se terá acesso por "pré-reserva digital".

Se pudesse, S. Mateus ia comer umas enguias e umas farturas no cubo mágico aprazado para o seu dia, 21 de Setembro. Mas, como ele é de um século em que tudo era analógico, não vai conseguir fazer a dita "pré-reserva digital". Mais uma vez, o dr. Sobrado vai conseguir expulsar o pobre santo da feira com o seu nome.

Regressemos à descomunicação do tempo dos telefones agarrados à parede. Reza a lenda que, em 1995, quando António Guterres estava a formar o seu primeiro governo queria convidar António Reis para ministro da cultura. Foram dias de tentativas frustradas para o telefone agarrado por um fio à parede daquele fundador do PS. Quando já não era possível esperar mais, Guterres entrou em plano B e, por sorte, Manuel Maria Carrilho estava em casa.

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