Mamihlapinatapai

Fotografia de Ludovic Charlet


em russo, há uma palavra específica para o afecto que se tem por alguém que se amou.
em checo, há uma palavra para um certo tipo de angústia diante da própria mediocridade ou falta de habilidade (lembro de kundera falar disso).
na escócia, parece que há uma palavra para o tique do lábio superior que indica a antecipação da alegria.
em albanês, há alegres 17 e 27 palavras respectivamente para sobrancelhas e bigodes. em romeno, há sei lá quantas que significam, todas elas, neve, mas cada uma para especificar um certo tipo de neve, que por aqui (ao sol marinheiro da língua portuguesa) não distinguimos por desnecessidade.
e se o russo olha para o amor antigo, veja bem: o japonês inventou uma palavra para um sentimento de pré-amor.
em yagan, idioma indígena falado por um povo da tierra del fuego, mamihlapinatapai é aquele olhar trocado por duas pessoas quando ambas querem que a outra tome a iniciativa de fazer algo que ambas sabem que querem mas. 

mas: o que é a coisa menos a palavra? a palavra menos a língua? isso que se percebe num repente e não tem esqueleto nem contorno para apoiar sua existência — não existindo, pode ainda resistir? se a língua nos funda a humanidade, e se há quem saiba que neve não é simplesmente neve, como amor não é simplesmente amor, assim como a saudade não é só uma falta, e calunga não é só saudade mas também abismo e deus… 
como posso eu dizer algo agora daqui de onde estou? 
Calí Boreaz
in ‘tesserato’
(Ed. Caos & Letras, 2019\20)


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