O meu gato não é o meu gato

* Parte de um texto publicado no Jornal do Centro no Verão de 2005, em 8 de Julho.

     Vou passando de um blogue para outro, seguindo as hiperligações, lendo histórias, ouvindo músicas, vendo fotografias. O caminho é sempre ao acaso dos cliques.
     Gosto da linguagem dos blogues. É crua e, às vezes, é cruel; não tem os eufemismos e os salamaleques que se vêem na comunicação dominante.
     Li, há poucos dias, na blogosfera, o velho poema dos Delfins:
Mais do que a um país
Que a uma família ou geração
Mais do que a um passado
Que a uma história ou tradição
Tu pertences a ti
Não és de ninguém.
Mais do que a um patrão
Que a uma rotina ou profissão
Mais do que a um partido
Que a uma equipa ou religião
Tu pertences a ti
Não és de ninguém.
Vive selvagem
E para ti serás alguém
Nesta viagem.
Quando alguém nasce
Nasce selvagem
Não é de ninguém
     Confesso: sempre gostei bastante dos Delfins, mas a única canção que recordo deles é esta.




     Esta música dos Delfins lembra-me o meu gato. Explico melhor a ligação: o meu gato não é o meu gato, porque nunca um gato é de ninguém a não ser dele próprio.
     O gato é dono do seu vagar e condescende em prestar-nos atenção, de quando em vez, a nós, que nos julgamos donos dele.
     O meu gato possui a casa. Ele é avaro nos movimentos mas é intenso no olhar.
     O olhar do meu gato dá o nome e o método a esta crónica.
     O meu gato tem um pêlo luzidio, muito comprido, branco e amarelo.

     É um pêlo macio, a pedir festas. Ele - o gato - tem um casaco lindo que não pode despir. É bom para os dias frios. É mau para os dias quentes. 
     O meu gato, que não é o meu gato, como explica a canção dos Delfins, procura, nestes dias de calor, os sítios mais frescos da casa. Assim, ele, gato velho e sábio, gosta muito de fazer uma sesta na frescura do roupeiro, junto aos fatos escuros que tive que comprar quando entrei para a política.
     Fatos que não gosto de vestir, nem nunca consegui gostar de vestir. Fatos que, aos poucos, vão ficando sem uso. Fatos cada vez mais cheios do longo pêlo branco e amarelo do meu gato velho e sábio.

Comentários

  1. Um gato é um gato...
    Mas há aqueles que são especiais!
    São fofinhos,ternurentos, gostam de festinhas...Fazem companhia, são meiguinhos...

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