O contrário de amnésia (#1) *

* Parte de um texto publicado no Jornal do Centro em 24 de Junho de 2005


     Anna Larina tinha 16 anos quando se apaixonou por Nikolai Ivanovitch Buckarine, um líder bolchevique de topo, na altura com 42 anos. Casaram algum tempo depois. É uma história de amor sublime e é uma história trágica porque se cruza com o período de terror estalinista. 
Imagem daqui
      Nikolai Ivanovitch foi preso em Fevereiro de 1937 e executado com um tiro na nuca, depois dum julgamento paranóico em que “confessou” um conjunto de crimes que nunca cometeu, nem nunca poderia ter cometido.
     Quanto à bela Anna Larina, foi presa poucos meses depois do seu marido, esteve em vários campos de concentração, sofreu horrores, mas conseguiu sobreviver ao comunismo.
     Anna passou a vida empenhada na reabilitação política e histórica do seu amor. Conseguiu-o, de uma forma definitiva, em 1988; governava então, na União Soviética, Mickahil Gorbatchov.
     A Terramar acaba de editar “Bukharine, Minha Paixão”, a autobiografia de Anna Larina Buckharina.
     Um mês antes de ser preso, em Janeiro de 1937, Bukharine, que sabia que ia morrer uma morte desonrada, ajoelhou-se aos pés da sua Anniutchka e fê-la “(…) aprender de cor, como uma oração, o seu testamento, a sua Carta à Geração Futura dos Dirigentes do Partido”.
     Anna guardou este testamento político na memória. Nunca o pôde escrever em lado nenhum. Um texto assim, apanhado pelos esbirros comunistas, significava a morte. Anna guardou-o na sua cabeça e viveu décadas na obrigação de o não poder esquecer. 
     O texto foi publicado, pela primeira vez na URSS, em 17 de Abril de 1988. Mais de 50 anos depois.

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