À espera do comboio *

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro




1. Yang Jisheng é o autor de “Mubei / Lápide”, um livro de mais de mil páginas sobre um dos horrores do século XX — a grande fome da China (1959-1961).
     
Yang Jisheng é um premiado repórter da agência noticiosa chinesa e, por isso, teve acesso durante mais de dez anos aos arquivos mais guardadas do maoísmo. O resultado é um livro monumental cuja recensão se pode ler na edição deste mês da The New York Review of Books.
     
As autoridades chinesas não reconhecem a “grande fome”, falam de “três anos de dificuldades por causa da seca”, mas o que aconteceu foi uma das maiores tragédias do século XX, que Yang calcula tenha ceifado 36 milhões de vidas. 
     
Mao Tsé-Tung forçou uma colectivização maciça o que originou o desastre.  
Imagem daqui
    
Conta Yang: “Não havia o problema de os cães poderem comer os corpos, porque os humanos tinham comido todos os cães, todos os sapos, todos os lagartos e todos os ratos. As pessoas aprenderam que era melhor não matarem os ratos imediatamente, que era melhor atar um fio à perna do rato, segui-lo até ao buraco, matá-lo então e escavar para tentar achar os grãos que o rato tinha armazenado.”
     
O livro de Yang Jisheng, na China, só circula na clandestinidade.
     
A ditadura chinesa tem medo dos seus fantasmas e reprime tudo o que mexe — desde LuXiaobo, o Prémio Nobel da Paz, até Ding Zilin, uma velha professora de filosofia reformada de 74 anos cujo filho foi assassinado em Tiananmen, uma velha professora que, até quando vai comprar vegetais, vai vigiada por polícias hiper-armados.
     
Portugal, membro falido do Conselho Permanente da ONU, vai passar a votar ao lado da ditadura chinesa. Isso dói.

     
2. A campanha alegre nas presidenciais pôs a esquerda, como diz a canção de Sérgio Godinho, “à espera do comboio na paragem do autocarro”.



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