Facilitação quantitativa*

* Texto publicado no Jornal do Centro  há exactamente dez anos, em 20 de Junho de 2014

Fotografia daqui
Os banqueiros falam uma língua muito só deles, cheia de eufemismos e fórmulas dúbias. Falam-na com impacto global os “senhores do universo”, falam-na com impacto paroquial os nossos banqueiros: veja-se a forma enrodilhada como o sr. Ricardo Salgado explicou o rombo angolano no espírito santo, rombo feito por um sobrinho cafajeste em quem ele confiava muito.

Nos seus bons tempos, o sr. Salgado metia no bolso primeiros-ministros, como foi o caso de Barroso e Sócrates. Nos seus bons tempos, ele era tu-cá-tu-lá com a cleptocracia angolana, embora, nesse caso, não se saiba ainda quem é que metia a mão no bolso de quem. Uma coisa se sabe: o bolso estava furado.

Depois chegaram os maus tempos, deu-se a nossa bancarrota, deu-se o trambolhão do banqueiro. A história apurará se a bancarrota foi obra e graça do divino espírito santo ou se foi ao contrário.

Regressemos aos “eufemismos e fórmulas dúbias” dos verdadeiros “senhores do universo”: os presidentes dos bancos centrais das maiores economias.

A Reserva Federal norte-americana, a seguir à falência do Lehman Brothers, tratou de anunciar a "quantitative easing" – a tal "facilitação quantitativa" que dá título a esta crónica. Esta expressão é um eufemismo típico de banqueiro. Quer dizer: "ligámos-as-máquinas-de-fabricar-dinheiro".

Os EUA tiveram a sorte de, durante esta crise, terem tido Ben Bernanke a presidir ao seu banco central. Ele é um dos maiores especialistas mundiais da Grande Depressão e soube evitar os erros de há oitenta anos — desta vez os juros foram mantidos baixos e a torneira do dinheiro esteve sempre a jorrar.

Ora, como se sabe e proclama a doutrina económica, dilúvios de dinheiro dão inflação. Ora, como se sabe, a “facilitação quantitativa” feita na Alemanha entre as guerras originou uma hiperinflação trágica, cuja memória ainda hoje traumatiza os alemães.

Porque será que, desta vez, os preços não sobem?

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