Jorge de Sena

Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre —
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego —
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte —
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu —
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro —
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará —
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só —
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na ausência indestrutível que
nos faz ser um no outro —
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida —
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam —
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.
Jorge de Sena




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