Quando acordares

Fotografia Olho de Gato


Quando acordares, já eu terei partido há muito tempo
com o meu fardo de lágrimas e o meu manto vermelho
de feridas. Mas, se perguntares, hão-de dizer-te
que não fui eu que parti, mas tu que me deixaste

ir; e de contar-te que, ao passar pela tua janela,
não desfitei o caminho, nem chamei pelo teu nome,
mas que a minha respiração ainda empurrou
o calor das tochas na direcção do teu rosto,
para que não sentisses frio o resto da noite.

Quando acordares, não acharás diferença no quarto
senão que o teu silêncio te parecerá maior que o mundo -
pois dentro de mim estarás então gritando tudo
o que nunca te ouvi e protegendo, assim, as minhas

memórias. Mas, se perguntares, hão-de dizer-te
que é, afinal, o meu silêncio que lamentas,
só que lembrares a minha voz não a trará de volta.

Quando acordares, já eu terei rasgado estradas
entre as pedras rugosas das encostas e ferido
os braços nos espinheiros assanhados dos cumes,
como um rio avançando cegamente pela montanha.

Mas, se perguntares, hão-de dizer-te que só viram
o mar - e que o mar é tão imenso
que esconde as cicatrizes de todos os caminhos.

Por isso, não acordes nem perguntes. Quem parte
assim, com um fardo de lágrimas e um manto
vermelho de feridas, parte para sempre.
Maria do Rosário Pedreira



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