“Dar o salto” na Europa, chegar a África*

* No Jornal do Centro aqui

Foi no livro “Afropeu, a Diáspora Negra na Europa”, de Johny Pitts, que soube que seis dezenas de africanos fugiram a Salazar da mesma maneira que muitos dos nossos emigrantes: atravessaram a fronteira na clandestinidade, “dando o salto” ajudados por “passadores”.

Penso que esta história não é conhecida entre nós e, por isso, vou tentar  resumi-la aqui: quando começou a guerra de independência de Angola, em 1961, “um grupo particular de sessenta estudantes africanos a estudar em Lisboa” foi ajudado a fugir das “garras de Salazar” pela Igreja Metodista e a Cimade, uma organização francesa “com um historial de acção no terreno (tinha ajudado crianças judias a fugirem da Europa ocupada na segunda guerra mundial)”.

Os jovens foram de Lisboa para o norte sem serem apanhados pelos radares da PIDE. Aí chegados, um “contrabandista profissional” pô-los a atravessar o rio Minho num barco com “um rombo” mas que, apesar do susto, deu para chegar ao outro lado. Depois, em Espanha, foi uma epopeia: uma aldeia, ao ver veículos cheios de negros, começou a gritar: «Pelé! Pelé!»; “um dos carros foi mandado parar pela polícia espanhola” e esta descobriu os passaportes falsos, passaram uns dias na prisão, mas foram safos por um polícia de esquerda; os carros avariaram; alugaram um velho autocarro que fez mil e trezentos quilómetros cheio de “jovens estudantes negros magricelas” convenientemente “disfarçados de turistas religiosos em peregrinação aos lugares religiosos de Espanha.” 

E lá conseguiram chegar a França, onde o presidente Charles de Gaulle lhes concedeu logo asilo político porque estava furioso com Salazar que tinha dado guarida a amotinados da guerra da Argélia. 

E por que razão este episódio é importante? Repare-se: entre estes emigrantes que “deram o salto” iam Joaquim Chissano (mais tarde presidente da república de Moçambique), Pedro Pires (futuro presidente de Cabo Verde), Henrique «Iko» Carreira (herói da guerra civil e depois ministro da defesa angolano), Pascoal Manuel Mocumbi (futuro primeiro-ministro moçambicano), Manuel Rodrigues Boal (exerceu o cargo de director para África da Organização Mundial de Saúde), José Eduardo Araújo (futuro ministro da justiça de Cabo-Verde) e vários outros futuros dirigentes dos PALOP.

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