Dor de cotovelo no S. Valentim*

* No Jornal do Centro aqui

Como se sabe, a dor de cotovelo pode ser física: basta bater-se com o dito cujo na aresta de um móvel e nada a consegue aliviar, nem o vernáculo que sai boca fora; mas, as mais das vezes, a “dor de cotovelo” tem aspas, não acontece na articulação entre o braço e o antebraço, mas sim no cismar interior, no pensamento. É uma dor psi: “dor de cotovelo” significa inveja e também ciúme, embora esta última acepção seja mais comum no Brasil.

No nosso país irmão, “dor de cotovelo” é até um género musical, bem antiguinho por sinal, e com bons cultores. Em “Dor de Cotovelo” — canção que Caetano Veloso escreveu para a voz de Elza Soares — descreve-se o poder corrosivo daquele maldito sentimento:

“O ciúme dói nos cotovelos

Na raiz dos cabelos

Gela a sola dos pés


Faz os músculos ficarem moles

E o estômago vão e sem fome

Dói da flor da pele ao pó do osso

Rói do cóccix até o pescoço (…)”

Dor muito má esta da ciumeira, a dor do amor rejeitado, a “dor de cor...”, perdão, a “dor de cotovelo”. Mas, se o ciúme dói pelo corpo todo, da sola dos pés à raiz dos cabelos, por que raio os brasileiros o localizam tão especialmente no cotovelo? 

Nos anos 30 do século passado, o criador deste estilo musical, Lupicínio Rodrigues, na sua canção “Taberna”, descreve como tudo aconteceu:

“Na taberna eu passei o dia

Vendo o entra e sai da freguesia

Quase esqueci a ingratidão que te fiz

E dos tragos por mim ingeridos

Afoguei parte dos meus sentidos

Chegando a julgar-me feliz”

De tanto levar o copo à boca, durante todo o santo dia, o desgraçado ficou de cabeça pesada, a precisar de se apoiar no balcão para manter o equilíbrio, acabou por acrescentar fortes dores nos cotovelos às suas dores do coração. 

Fotografia Olho de Gato

Na próxima terça-feira, dia de S. Valentim, haja muito amor e nenhuma “dor de cotovelo”. 

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