A minha saia



A minha saia é debruada de
dentes brancos
— saia rodada com pregas
e esconderijos que se abrem
sobre os precipícios da infância

É uma saia alta como janelas
remendada pelas mãos cuidadosas dos amantes

Debaixo da minha saia há
uma caixa com botões e olhos
que encontrei no leito seco dos caminhos
há um girassol que me aquece
o farelo e o sal dos ossos
há uma colmeia e o crescente negro
da sombra a roçar os joelhos

Há o riso dos velhos

Som de cordas, velas de moinho,
fábulas e exércitos balançam
dentro da minha saia
quando danço

Debaixo da minha saia há também casas
onde recolho o vento, e delas se avista
o pescoço curvo de dois bois mansos
alisando o pasto

Rodo o corpo e a minha saia aponta para o sul
baixo-a para desenhar círculos na poeira
ergo-a para atravessar o rio
na hora em que
a maré sobe
sobe
sobe
sobe
Ana Duarte

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