O passado e o futuro do trabalho*

 * No Jornal do Centro aquiAo longo da história humana houve sempre profissões a ficarem obsoletas e a serem substituídas por outras. 


Foi sempre assim no passado, não é muito certo que vá ser sempre assim no futuro: é que as máquinas, cada vez mais "inteligentes", estão a ser desenhadas para dispensarem a intervenção humana. 

Isto é bom (maior produção, maior riqueza) e é um sarilho (mais desigualdade, mais pobreza, mais precariedade).


 Trabalhos-que-havia-mas-já-não-há

Colocadores de pinos no bowling (perderam o emprego para a máquina que faz isso automaticamente), ascensoristas (os elevadores automáticos desgraçaram-nos), operadores de linótipo (a fotocomposição mandou-os para casa), calculadores humanos (vitais antes das máquinas de calcular, eram normalmente mulheres, o que só surpreende os machistas enrustidos), despertadores humanos ...
... (tinham o trabalho de andar a acordar as pessoas batendo-lhes com um pau nas janelas, os relógios-despertadores desempregaram-nos em meados do século XIX ), ressurrecionistas (desenterradores de corpos para estudo anatómico, perderam o emprego por motivos éticos óbvios), …, ...

A estas ex-profissões — achadas num artigo intitulado “45 empregos estranhos que já não existem hoje” — podia acrescentar um exemplo muito mais pacato e mais recente: empregado de videoclube (uma cinéfila profissão que quem tem mais de 20 anos conheceu, quem tem menos nem sabe bem como é que aquilo dava dinheiro).


Trabalhos-que-ainda-há-mas-vai-deixar-de-haver

Como se sabe, a automatização começou por tirar o trabalho aos colarinhos azuis, mas está agora a tirá-lo também aos colarinhos brancos. As máquinas começaram por substituir os humanos em actividades físicas penosas, depois, aos poucos, começaram a ser capazes de fazer tarefas cada vez mais complexas.

Agora elas começam a integrar “inteligência artificial” e até a “inteligência ética” — por exemplo, um carro autónomo, daqueles que se guia sozinho, numa situação de perigo inescapável, vai ter que decidir, numa fracção de segundo, se sacrifica o passageiro ou três peões.

Vêm aí problemas. Cada vez mais problemas. Cá estaremos para os ir resolvendo. Vamos todos fazer muitas asneiras. As máquinas também.

Chegam-nos todos os dias notícias de “admiráveis-mundos-novos” destruidores de emprego: veículos autónomos, hotéis sem empregados, supermercados sem operadores de caixa nem repositores nem clientes, drones a fazerem entregas caseiras, máquinas agrícolas faz-tudo.

Adeus, trabalho humano. O emprego que vai sobrando é cada vez mais precário. Os subsídios de desemprego, menores. As demais prestações sociais, sujeitas às ditas “condições de recursos”, são armadilhas que mantêm as pessoas na pobreza, ao mesmo tempo que reforçam o poder das burocracias sociais do estado, cada vez mais paternalistas, arrogantes e corruptas. 

Burocracias que, como explicou Guy Standing, na Web Summit de 2017, fazem com que “90% desses apoios” nunca cheguem verdadeiramente aos mais pobres.

A sobre-riqueza produzida pela automação não pode ficar só para os rentistas e para os aparelhos do Estado. Aquele professor de economia da Universidade de Londres e autor de «O Precariado - A Nova Classe Perigosa» defende a criação de um rendimento básico incondicional para todos os cidadãos, ricos, remediados e pobres, empregados ou não.

Em Lisboa, há quatro anos, Guy Standing explicitou assim esta ideia: “a criação de um rendimento básico incondicional traria justiça social e um mínimo de segurança, uma âncora. Mais do que o dinheiro em si, traria emancipação, a liberdade de fazer escolhas. Hoje, na iminência de perderem os benefícios concedidos pelo Estado, as pessoas aceitam empregos precários, num ciclo perpétuo de precariedade.”

Precisamos de pensar formas de desligar o trabalho dos apoios às pessoas. Perante a destruição de emprego que se anuncia — lembremo-nos, por exemplo, dos milhões de motoristas que vão ser substituídos por veículos autónomos —, não se vê outra forma para combater a desigualdade e a precariedade.