Dedicatória
Fotografia Olho de Gato |
A ti ó dança de água bandarilhando o touro
fonte de sete véus dos deuses bebedoiro
arte de flancos mornos versificando o cio
que te raptou em rio no crescente dos cornos
que a graça plena foste do desejo quadrúpede
do deus que trabalhando o lenho do teu útero
o ovo afeiçoou à sesta vertical
de uma história dormindo de pé em catedral
A ti que lá de Creta erguendo a tromba lenta
em séculos de marfim mostraste a paciência
da obra de metal que agora te asfixia
na crónica fraudulenta de uma fotografia
A ti que das indóceis distâncias gastronómica
dos oceanos foste a suma teológica
crucífera e cruzada de sífilis e de azul
ao norte amealhando o que gastas ao sul
A ti que numa inglesa escrita comercial
a cânfora roubaste do sono oriental
na prática pimenta dos exóticos pratos
de um menu colonial roído pelos ratos
A ti ó insaciável que para mudar de anéis
dos reis decapitaste os turvos capitéis
com o capitalado dos novos capitães enfarinhando a
cara
fazendo de tetrarcas (que outro pano não guarda o
imo das tuas arcas)
engomada com a gosma da bronquite burguesa
quando lá na bastilha ganhou a espadilha da revolução
francesa
A ti hagiológica
das sacristias rata beata quando lógica
entre o incenso e a prata dos gomis por que bebes
agora gasolina
trôpega de elefantíase com tromba telescópica
das luas arrombando os lagos de parafina
de que o empíreo acabe empírica e raivosa mordendo
os astro lábios
A ti laboriosa laboratório antera
com o pólen dos sábios na proveta da rosa verificando
a fera
A ti vitoriosa que a tudo respondeste
na língua cavernosa de ferida examinada
A ti ó instrumento polífono dos êmbolos
com tremedal e trémolos na voz desafinada
pelos espúrios dezembros das máquinas que embalam
teus membros em geada
Ó transistorizada de trânsito transida
eléctricas espáduas caindo entre parêntesis de bar e
barbitúrico
A ti iluminada pelo gás dos abrenúncios
no castanho apagado de uma ânfora grega
brincando à cabra-cega com uma venda de anúncios
A ti ó acrobata no arame que vai do paul ao paiol
com bemóis de sucata do teu requiem erguendo a
escada em caracol
A ti puta compósita do jónico e do ágio
repesa no adágio da sonata de cristo
ó Europa enlatada
ó cisne
ó cista
ó cisto
numa ígnea membrana de américa enquistada
ó repertório vário de proletária ténia
trabalho solitário de famintos projectos
com juízos finais pintados nos teus tectos
A Ti porém dedico
o motivo da lira que em glóbulos herdei
sangue do teu fabrico parágrafo da cítara
levantada nos cornos do deus que em musical compasso
genital
cozeu nos altos-fornos do céu em liberdade
a gélida faiança da imortalidade
Ao fermento da origem que provocou teus seios
odres dos vinhos velhos que em sangria escorrendo
argolam-se nas lágrimas que tanges nos artelhos
À nave zodiacal que desbravou as curvas
dos teus quadris infusas de leite filosofal
coalhado em semifusas de betão e metal
ao paciente arcano que com o silabante vagar das
colunatas
metrificou teu crânio de fábulas e flautas
aos plátanos que sofrem na medalha cretense
do fundo dos teus olhos a tua dor rodada
na lôbrega pronúncia dos fios telefónicos
ó estopa ó Europa do linho separada!
Natália Correia
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