Paus — Resende*

* Hoje no Jornal do Centro


1. Umberto Eco, num texto publicado no L'Espresso em 2005, escreveu que “o fundamentalismo cristão nasce nos ambientes protestantes e caracteriza-se pela decisão de interpretar literalmente as Escrituras” e que “não pode haver fundamentalismo católico” já que, “para os católicos, a interpretação das Escrituras é mediada pela Igreja.”

Nos católicos há uma “hermenêutica mais flexível” que admite que “a Bíblia recorria com frequência a metáforas e a alegorias”, nos protestantes não.

É muito fácil constatar isso agora com os evangélicos no poder no Brasil. A ministra Damares Alves, depois de ter avistado Jesus num pé de goiaba, depois de ter “aberracionado” mulher com mulher e homem com homem, veio lamentar que a teoria da evolução de Darwin seja ensinada nas escolas e exasperar-se por a ciência estar entregue a... cientistas.

2. Ora, nesta quadra do Natal, uma dezena de textos de dignitários católicos publicados no Observador, uns mais violentos, outros menos, todos debruçados sobre a virgindade de Maria, vieram mostrar que aquela regra da flexibilidade católica, enunciada por Eco, tem excepções.

Tudo começou com um artigo que transcrevia declarações do bispo do Porto, D. Manuel Linda, nascido na freguesia de Paus do concelho de Resende, em que ele apostolava que “nunca devemos referir a virgindade física da Virgem Maria”, a que se somavam as declarações de Anselmo Borges, nascido também em Paus, em que aquele padre e professor universitário dizia que Cristo foi concebido por Maria e José “como outra criança qualquer”.

D. Manuel Linda e Anselmo Borges

O que estes dois resendenses foram dizer... Caiu-lhes em cima uma chusma a malhar-lhes e a jurarem pelo hímen de Nossa Senhora. Um delírio literal igualinho ao da ministra Damares.

O bispo, coitado, lá teve de fazer uma espécie de marcha-atrás, Anselmo Borges encolheu os ombros, e eu fiquei com vontade de visitar aquela simpática terra do norte do distrito que deu dois homens bons à Igreja.

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