Política da pós-verdade*
* Texto publicado hoje no Jornal do Centro
1. As presidenciais norte-americanas são uma duríssima maratona de mais de um ano e as suas campanhas costumam ter processos inovadores, exportados depois para todo o mundo. O “sim, nós podemos” de Obama foi repetido até à náusea, em todas as latitudes e longitudes.
Nesta campanha foi ao contrário, Trump importou de Moscovo os métodos de guerrilha política não-linear de Vadislav Surkov e cilindrou o establishment republicano nas primárias. Depois conseguiu manter Hillary na defensiva e deixou atarantado o poder mediático.
Pela primeira vez nos EUA um candidato de topo esteve-se nas tintas para a comunicação social, os jornalistas foram directamente hostilizados nos seus comícios, e nem por isso a avalanche noticiosa contra a sua candidatura danificou Trump nas sondagens ou fez diminuir o seu rebanho de fiéis.
Trump defendeu ora branco ora preto, ora quente ora frio, ora alto ora baixo, mentiu com toda a tranquilidade do mundo, indiferente à “verificação-de-factos” dos media tradicionais.
Bem-vindos à política da pós-verdade!**
2. A guerra política agora é travada na internet por “trolls” (pagos ou não) que desinformam, rebaixam os adversários, publicam notícias falsas, fazem “memes” letais, material que depois é partilhado nas cada vez mais tribalizadas redes sociais.
Basta ver a guerra no Facebook dos dois rebanhos — geringôncicos versus caranguejolos — para perceber que o que faz mexer as pessoas agora é tudo menos a verdade ou a troca racional de argumentos ou a procura de uma descrição ajustada da realidade. Uma maré de bílis leva tudo à frente.
Há quem ganhe muito dinheiro com a política da pós-verdade. Mesmo em Portugal. Entre 2005 e 2015, o autor do blogue socratista Câmara Corporativa recebeu 426 mil euros (3550 euros por mês).
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Adenda em 18/11/2016
Na semana seguinte à publicação deste texto, os dicionários Oxford nomearam "post-truth" como palavra do ano.
Fotografia de Scott Olson
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Nesta campanha foi ao contrário, Trump importou de Moscovo os métodos de guerrilha política não-linear de Vadislav Surkov e cilindrou o establishment republicano nas primárias. Depois conseguiu manter Hillary na defensiva e deixou atarantado o poder mediático.
Pela primeira vez nos EUA um candidato de topo esteve-se nas tintas para a comunicação social, os jornalistas foram directamente hostilizados nos seus comícios, e nem por isso a avalanche noticiosa contra a sua candidatura danificou Trump nas sondagens ou fez diminuir o seu rebanho de fiéis.
Trump defendeu ora branco ora preto, ora quente ora frio, ora alto ora baixo, mentiu com toda a tranquilidade do mundo, indiferente à “verificação-de-factos” dos media tradicionais.
Bem-vindos à política da pós-verdade!**
2. A guerra política agora é travada na internet por “trolls” (pagos ou não) que desinformam, rebaixam os adversários, publicam notícias falsas, fazem “memes” letais, material que depois é partilhado nas cada vez mais tribalizadas redes sociais.
Basta ver a guerra no Facebook dos dois rebanhos — geringôncicos versus caranguejolos — para perceber que o que faz mexer as pessoas agora é tudo menos a verdade ou a troca racional de argumentos ou a procura de uma descrição ajustada da realidade. Uma maré de bílis leva tudo à frente.
Há quem ganhe muito dinheiro com a política da pós-verdade. Mesmo em Portugal. Entre 2005 e 2015, o autor do blogue socratista Câmara Corporativa recebeu 426 mil euros (3550 euros por mês).
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Adenda em 18/11/2016
Na semana seguinte à publicação deste texto, os dicionários Oxford nomearam "post-truth" como palavra do ano.
Dia dos pantomineiros da treta musical darem à unha para escrevinhar elogios fúnebres e retrospectivas da carreira musical do Cohen.
ResponderEliminar"Like a bird on the wire Like a drunk in a midnight choir I have tried, in my way, to be free."
Leonard Cohen
Raio de ano moribundo que é este de 2016 !
Gosto! (como dizem no facebook)
ResponderEliminarA pós-verdade?! Interessante, muito!
E o ponto 2 merece o meu comentário:
“Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
(…)”
“No País dos Sacanas” - Jorge de Sena
Cito Alexandre Borges:
ResponderEliminar“Certas estruturas do PS continuam a insistir em "convidar” Sócrates para conferências do partido. Depois queixem-se que Trumps ganham.”
Bem-vindos à política pós-verdade!