Pastagem na garagem*

* Publicado hoje no Jornal do Centro


O livro “A arte de pensar com clareza”, de Rolf Dobelli, descreve dezenas de erros de pensamento em que cai muito boa e distinta gente com púlpito académico ou mediático ou político. Esses erros são constantes e em campanha eleitoral, como a que estamos a viver, eles multiplicam-se, mas não tratemos hoje de eleições.

Em Maio escrevi aqui sobre a “falácia do custo irreparável” que nos faz teimar num erro só porque já investimos nele dinheiro e/ou tempo. Hoje é a vez da “tragédia da pastagem comunitária”. Dobelli começa este capítulo assim: “imagine um terreno fértil que está à disposição de todos os agricultores de uma povoação. É de esperar que cada agricultor leve para esse prado o maior número possível de vacas.”

Tudo bem, desde que a ervinha fresca não se esgote. Mas cada agricultor vai pensar no seu benefício individual, em mais uma vaca que vai poder vender gordinha e nédia, e mais uma, e mais uma, até que o pasto acaba. Ele olhará para o +1 individual e não para o -1 colectivo.

Até aqui ainda não há erro nenhum de pensamento. O erro aparece quando se julga que este problema se pode “resolver por meio da educação, do esclarecimento, das campanhas informativas, dos apelos à «consciência social», das bulas papais ou das prédicas das estrelas pop”, goza Dobelli.

Todos os dias encontramos estes raciocínios ingénuos que acreditam que a “responsabilidade individual” funciona sem dispositivos que a ponham nos trilhos. E só há duas maneiras de evitar a rapadura total do prado: ou privatização ou gestão. Há que regular o acesso ao prado: através de uma taxa, uma limitação temporal, uma priorização qualquer.

Foi o que o Palácio de Gelo fez no seu parque de estacionamento. Acabou por perceber que a “sensibilização” não resultava. 

Imagem daqui
As vaquinhas com rodas que faziam ali garagem de manhã à noite somadas às dos funcionários não deixavam lugares para os clientes.

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