Mordaça*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


1. Eduardo Diaz Coello, morador em Güímar - Tenerife, entrou no Facebook do seu município...

Imagem daqui

... e chamou à polícia local “casta de escaqueados, bien acomodados” (“casta de folgados”, traduziu o jornal Folha de S. Paulo). Horas depois, ele recebeu em casa uma denúncia “por falta de respeito e consideração”. Multa: de 100 a 600 euros.

Eduardo foi a primeira vítima da “Ley de Protección de la Seguridad Ciudadana”, conhecida por "Ley Mordaza", aprovada pelo PP de Rajoy contra a opinião de todos os outros partidos.

Esta lei proíbe manifestações junto ao Congresso e ao Senado, fotografar ou filmar polícias, “alterar gravemente a paz pública” através da internet (seja lá o que isso for), proíbe organizar protestos ou convocar manifestações online, mais alguns actos sejam eles na rede ou não... As multas, de 100 a 600 mil euros, são administrativas sem intervenção judicial.

É uma lei iníqua e desprezível. Um só exemplo: quantas vezes é que imagens de “jornalismo cidadão” permitiram punir ou corrigir violência policial abusiva? Uma coisa é certa: os espanhóis vão acabar com esta mordaça.

2. Pedro Magalhães e Luís de Sousa, num ensaio intitulado “Qualidade da Democracia”, explicam que o enfraquecimento simultâneo do ideal europeu, da classe média e do estado social criou um vazio que está a ser preenchido por formas iliberais de governo.

Agora, a esfera pública é feita de clivagens entre um «nós» e um «eles», sendo este «eles» o que der mais jeito: os “funcionários” no tempo do barrosismo, os “professores” no socratismo, os “alemães” no syrizismo luso, os “grisalhos” no dizer sem cabeça de um cabeça-de-lista do PàF.

Esta “construção do inimigo” (expressão de Umberto Eco) é levada ao extremo nas “democracias populistas”, à moda da Hungria ou da Grécia, em que a maioria arrasa tudo. São políticas avessas ao compromisso e ao consenso, valores primeiros das sociedades liberais e os valores com que se fez a “Europa”.

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