Inactualidade*

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 2 de Setembro de 2005.



0. Tenho consumido pouca informação. Férias são férias. Tenho aproveitado os tempos livres para navegar na blogosfera cultural. Aconselho, nesta área, o blogue http://blogcasmurro.blogspot.com. É um blogue muito erudito pelo que é bom ter um dicionário à mão; é também um blogue divertidíssimo, muito influenciado pelo humor dos irmãos Marx.

Confesso que tenho prestado pouca atenção à actualidade. Por isso, fiquemo-nos por assuntos já conhecidos dos leitores deste jornal. Fiquemo-nos, portanto, pela “inactualidade”.

1. Desgosta-me muito o encerramento do Cinema S. Mateus e do Cinema Ícaro. Eram cinemas do centro da cidade, com qualidade, com bom som, boa imagem e com óptimos profissionais. No Cinema S. Mateus e no Cinema Ícaro não havia pipocas, nem bocas grunhas do público.

2. Foi em 18 de Junho de 2004. Maria Lira Pereira Keil do Amaral publicou aqui, no Jornal do Centro, um artigo com o título: “Votar ou não votar em Canas de Senhorim”. Este texto foi um grito de alma contra o fanatismo e a incivilidade que dominam Canas. As palavras de Lira interpelaram as consciências e fizeram o seu caminho.

3. Em 9 de Outubro, vão a votos duas listas para a Assembleia de Freguesia de Canas de Senhorim. Haver várias candidaturas a umas eleições é um facto trivial em qualquer parte do país. Em Canas de Senhorim não é. Luís Pinheiro, o actual Presidente da Junta, preferia ser reconduzido em lista única. Não gostou de ter uma lista adversária. Acusou essa lista de estar a “rachar” o povo (sic!), conforme foi contado neste jornal pela Liliana Garcia.

Outra jornalista desta casa, Isabel Marques Nogueira, uns dias depois, teve que suportar insultos e ameaças quando foi fazer uma reportagem em Canas de Senhorim. No Jornal do Centro de 19 de Agosto, uma fotografia a três colunas, com um grande plano da palma da mão que não deixou fotografar o edifício da Junta, diz tudo sobre o clima social que se lá vive.

Em Canas, a arruaça substituiu o diálogo civilizado e democrático. Canas de Senhorim não é livre. Quando o poder cai na rua, não há liberdade.

Uma liderança insensata levou aquela terra de gente boa para um beco sem saída. Quando se está num beco sem saída, só há uma solução: dar meia volta e procurar outro caminho.

4. Uma enfermeira entrou no quarto do “Homem do Piano” e perguntou-lhe: «Bom dia, então é hoje que vamos falar?» «Sim. Tenho vinte anos, sou alemão e sou gay.» O “Piano Man” tinha estado quatro meses calado e tornara-se um enigma mundial.

Já tinha merecido referência aqui, no Olho de Gato, de 9 de Junho. Recordo o que na altura escrevi: “A história é muito conhecida: a 7 de Abril, apareceu em Sheerness, uma cidade costeira inglesa, um homem aparentando 30 anos, vestido de fato e gravata, completamente encharcado e que não dizia uma palavra.

O homem não era, e continua a não ser, identificável. Existe no caso alguma premeditação já que as etiquetas da roupa que usava estavam todas cortadas. Quando lhe puseram um papel à frente, ele desenhou um piano com todos os pormenores. Levado junto de um, tocou horas seguidas, revelando-se um bom pianista. Passou a ser conhecido como “O Homem do Piano”.

“Vulnerável”; “assustado”; “traumatizado”; “em perigo”: são as expressões usadas pelos especialistas do hospital em que ele foi recolhido.

Algures qualquer coisa na ram ou no disco rígido do “Homem do Piano” estalou. Isto se a sua amnésia for real. Porque pode não ser.”
Afinal o homem não estava amnésico. Para já, chamam-no “farsante”. Ludibriou toda a gente no hospital psiquiátrico, durante quatro meses. Até os especialistas.

“Agora já pode escrever um livro (ou arranjar alguém que lho escreva) e ficar rico.” - diz-se num blogue português, no http://outro-eu.blogspot.com.

Comentários

  1. Boas, Alex.
    Fico muito satisfeito em saber que alguém pensa como eu em matéria de salas de cinema, ainda por cima alguém especialista na 7.ª arte. Tenho muitas saudades da sala S. Mateus. Não frequentava muito a do Ícaro, mas aposto que não ficava nada a dever àquelas que por aí agora temos. Era uma sala com uma tecnologia de ponta e com uma sonoplastia já muito avançada para a época. Era espaçosa e desprovida, como dizes, de grunhos carecidos de falta de atenção. Contudo, o mais importante de tudo: estava-se bem, sem interferências daquele pipocar incomodativo que pegou moda. Irrita-me comprar um bilhete para o cinema e ter que ouvir a pergunta sistemática: VAI QUERER PIPOCAS? Que raio! Porquê pipocas? Pior, há pessoas que passam anos sem ferrar o dente numa grão de milho alvo e dilatado e, assim que sentam numa sala de cinema, toca a incomodar quem também pagou bilhete. Sabes, já me passou pela cabeça assistir a um filme e levar uma perna de frango assado com uma garrafinha de tinto. Depois, alguém terá que me explicar por que se permite a pipoca e a coca-cola e se interdita a minha merenda.

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  2. Grande Alcídio

    Este texto, de há dez anos, testemunha uma pena — o encerramento de duas salas de cinema no centro da cidade, o Cinema S. Mateus (é agora uma farmácia) e o Ícaro (continua lá, fantasmático).

    Não gosto também da actividade galinácea dos "moviegoers" que pipocam com uma actividade mandibular barulhenta e pestilenta.

    Em consequência: não vou, vou às sessões do Cine Clube de Viseu (onde não se pipoca e se vê bom cinema) e quando é para ir a uma sessão dita comercial, vou àquelas da tarde com quase ninguém, se lá estiver um pipoqueiro ponho-me longe.

    A da perna de frango é uma ideia, pá.

    Grande abraço

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