Retorno

Fotografia de Ruth Orkin




Estou aqui desprovido de amigos
conhecidos e companheiros

o vulto acompanha meus passos
sombra de outros tempos
em minha terra

acompanho o silêncio
com que me levam ao encontro

a pedra
a serpente
a sereia
apenas a realidade
entrevista o bastante
para o pranto

o peregrino aprisionado
pássaro em areias
charcos
florestas
a prisão se fecha
em si mesma
dos meus pecados

o estranho personagem
aproximado aos poucos
na cautela dos passos lentos

reconheço a face
entendo a linguagem
sei que o pior passou
agora é a hora da chegada

irreconhecível ser de outras eras
não tinha razões para voltar ao ninho
nem pedir que o regresso
seja recebido em festas

o irmão que me acolhe
sabe das bolhas em meus pés
e dos piolhos entre os cabelos ralos

mal enxergo o futuro
em privações passadas
malgrado o fato de estar de volta
me revolto por ter voltado

meu gesto
o desespero e a raiva

a sujeira retornada
o passado esquecido
reaquecido em frágil pessoa
assomada à porta

esqueço o tormento no único instante
em que penso enxergar o corpo

outro é o corpo na entrada
de quem foi embora em tempos piores

a serpente sibila segredos
e a pedra amassa sua cabeça

não mentira suas verdades
a pele retirada na oferenda aos deuses

quero mais que o regresso
o retorno ao tempo passado
o espaço e o tempo recuperados

no soluço reconheço a perda
as perdas detalhadas
e o peregrino se liberta
em choros e provações diversas

nenhum paraíso permite o reencontro
entre os que partiram na bruma
e na chuva retornam

a lama dificulta o caminho
e marca os pés indefinidamente

o estranho retorna ante os olhos atónitos
dos que ficaram.
Pedro Du Bois



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