Noite de Natal (#2)

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


No Natal de 2009, contou-se aqui o conflito interior de um pai perante a emigração da filha:
     
(…) «Pai», dizia ela, «a gente fala todos os dias na internet. Aquilo é tão bonito. Olhe esta fotografia da ópera de Sydney.»
     
Já não faltava muito para a consoada. Ia ele, naquele dia frio, naquela rua onde tinham posto uma alcatifa, naquela rua aberta aos ventos de Espanha, a fugir daqueles jinglebéles nos altifalantes, que atroavam o ar. Ele ia a cismar. Nem deu conta que estava a pensar em voz alta:
     
«Merda de país! Forma doutores para os pôr nas caixas dos supermercados…»
     
Rua fora, ao fundo, viu a praça, o Rossio, as casinhas do Rossio. Estava lindo o Rossio, de presépio e de charrete, luzes de Natal a pingarem das tílias, táxis à espera, brasileiros ao telemóvel, ucranianos de camisa aberta, africanos de gorro na cabeça.
     
Não lhe passou a neura. Em cada uma daquelas caras, em cada um daqueles estrangeiros, em cada um daqueles olhos tristes, ele via a sua filha, sozinha, num Rossio qualquer de Sydney, do outro lado do mundo.
     
Chegou a casa e disse:
     
«Filha, nesta noite de Natal tens que me ensinar a mexer no computador…»



     
Três anos depois, na noite de Natal deste ano:
     
«Olá, filha!»
     
«Hoje é pelo Skype, ontem pelo Gtalk!»
     
«Burro velho tem que aprender línguas. Como está o tempo aí?»
     
«Máxima 34 graus. E aí?»
     
«Pouco frio. Já não é só a política avariada, aqui o inverno avariou também... Passei há bocado no Rossio, nem um “craniano”, nem um brasileiro, até os imigrantes nos emigraram...»
     
«É triste, aqui as coisas estão bem, em Janeiro vou ser promovida.»
     
«Filha, ando há uns tempos para te dizer uma coisa...»
     
«Então? Que se passa?»
     
«Sabes, eu fui despedido... há uns meses... não te disse porque não te queria preocupar... mas já corri tudo... não consigo trabalho... vê lá se me arranjas qualquer coisa aí na Austrália...»

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