O destape*

* Hoje no Jornal do Centro, em edição impressa e aqui

O destape começou há cinquenta anos em Espanha, quando “o regime franquista, em plena contradição com a sua moral oficial, permitiu as primeiras cenas de nus no teatro e no cinema, sempre que 'estuvieran justificadas por la lógica de la acción'.”

Em Portugal não houve destape, mas em Espanha aquela pele toda à mostra foi um sucesso comercial. Em 1974, mais de dois milhões de nuestros hermanos compraram bilhete com o exclusivo fito de verem umas “breves cenas” em que a actriz Ana Belén “mostra os seios em frente a um espelho, no filme El amor del Capitán Brando”.

Depois da morte do ditador, em Novembro de 1975, o destape tomou mesmo conta das salas de cinema. Multiplicaram-se aquelas pornochanchadas com argumentos risíveis, tudo aquilo metia medo ao susto mas representava quase metade das receitas do cinema espanhol. 

Um destes filmes, O verde começa nos Pirinéus, realizado por Vicente Escrivé, conta uma “escapadela a Biarritz” de três maduros para verem “filmes eróticos, proibidos em Espanha.” Chegados lá, percebem que a cidade está cheia de compatriotas que tinham ido ao mesmo. No filme de Escrivé, “os labregos espanhóis, entradotes e feios” engatam umas “francesinhas”, ao protagonista calhou uma jovem actriz, filha de mãe espanhola e pai russo, “de uma beleza eslava: olhos verdes enormes amendoados, boca grande de lábios pulposos”, de seu nome Sandra Mozarowski.

Como rumoreja Clara Usón, no seu romance O assassino tímido, esta Sandra, linda de morrer, “não foi rainha nem noiva de um rei, mas sim sua amante”. E a autora polvilha a história com todos os psicotrópicos em uso naqueles anos loucos, para além de se meter no meio da narrativa do alegado “derriço” do rei Juan Carlos, e prantar lá dentro também os seus pais, os seus irmãos, até o santo Albert Camus e o asceta Ludwig Wittgenstein. 

Recomendo o livro. Os filmes de destape nem por isso, só se for por curiosidade arqueológica.

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Nota: as citações dos dois primeiros parágrafos são retiradas do ensaio A censura ao cinema no marcelismo e no tardo-franquismo: uma perspectica comparada, de Ana Bela Morais, e as seguintes de O assassino tímido.

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