Televisões *

* Publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 17 de Janeiro de 2013


Durante os seus quatro mandatos, Silvio Berlusconi desenvolveu um sistema de poder ímpar no mundo, a que se chamou de “populismo televisivo”, e que assentou no uso dos canais Mediaset (de que era patrão) e dos canais da RAI pública (de que era “dono” político). “Il Cavaliere” foi uma nódoa na camisa de seda da velha Europa, foi uma filão para o anedotário bunga-bunga, e foi uma inspiração para a escrita genial de Umberto Eco.
     
Em Abril de 2002, exasperado, Umberto Eco defendeu o boicote aos produtos publicitados nos canais Mediaset. Esta “luta” foi teorizada assim por Eco: “a um governo-empresa não se responde com bandeiras e com ideias, mas atacando directamente o seu ponto fraco: o dinheiro.”
     
Esta ideia de Eco fez nascer um movimento social com algum impacto. Mas, como se sabe, toda a acção produz reacção: a seguir, o escritor recebeu uma encomenda sem remetente. Lá dentro vinha um seu livro de 1968, “La defizione dell'arte”, em que alguém tinha escrito 156 vezes a palavra “merda” a vermelho nas páginas ímpares. No embrulho, vinha também um bilhete não assinado a avisar: «quem semeia ventos... colhe tempestades».

Escusado será dizer que este trabalho, meio “trash-art” meio “merd-art”, teve uma resposta hilariante do mestre italiano e que pode ser lida em “A Passo de Caranguejo”, um livro que a Gradiva acaba de editar, felizmente em desacordês.
     
Não, não estou — à semelhança de Eco — a sugerir aos leitores que abominam o acordês para deixarem de comprar livros que grafam “espetadores” de televisão em vez de “espectadores”.

Mas sugiro que se acompanhe com atenção e vigilância o que o governo prepara este mês para a RTP. 
     
Pelo que se sabe, Paulo Portas defende uma TV pública do século passado (nisso acompanhado por toda a esquerda, deva-se dizer). 

Já o doutor Miguel Relvas, se o deixarem, sai-se com uma berlusconice.

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