Recônditas palavras

 

Achado no FB, sem indicação de autoria

Inquietam-me as dedadas

de deus rente à raiz da carne, ao indeciso

equilíbrio da alma

na balança, à cicatriz

azul do céu sobre o destino.


O mar pneumático, ao sabor

do qual contra os sentidos se nos fazem

e desfazem as ávidas lembranças,

assalta-me os sentidos, tenebrosas


crateras escavadas

no espírito e através

das quais, incandescentes, as imagens

do mundo sobre ele próprio se derramam


como uma lava espessa, esses sentidos

que, como aéreos

estigmas, nos imprimem

na carne a cicatriz do céu, a indecisa

maneira de as imagens


do mundo se guindarem

mais alto do que a alma ou o alento

de quem dentro de nós

aviva a sua chama. O que nos sai

do coração vem a ferver.


A carne, ao rés

da qual o céu se encurva, báscula

que deus deixou nos arredores

dum qualquer lugarejo


a encher-se de ferrugem, cicatriz

pesada, combustível, com raiz

nas mais profundas trevas, a carne âncora

submersa no destino, ergue-se a pique


de novo onde as lembranças

se fazem e desfazem

com todo o azul do céu

lá dentro a procurar rompê-la.


Sentados no convés, como se fosse

já noite e nos soubesse

o pão ao ranço da memória, contemplamos

os rudes marinheiros.


Depois que pela encosta procurámos

em vão uma escada de que o último

degrau fosse já dentro da memória,

suspenso na memória,


desfaz-se-nos dos ossos

a carne, com o seu quê de lírico e festivo,

em áreas portuárias onde o mar

nos sai do coração para galgar o molhe,


e, agora que começam

os anos a pesar

mais para trás que para a frente, acodem-nos

recônditas palavras aos ouvidos:


«Fecharam-se-te os olhos e eu fiquei de fora»,


«Nas tuas mãos começa o precipício».

Luís Miguel Nava

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