Mala de cartão *
* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 23 de dezembro de 2011
Nas vésperas dos natais de 2009 e 2010 publiquei aqui duas histórias que tinham a ver com esta quadra.
Em 2010 contei a história de um homem em viagem na A24, a história de um beirão cujos pais tinham ido “a salto” para a França no tempo de Salazar e agora os seus dois filhos, ambos doutorados, eram também emigrantes, tal e qual como no tempo do botas de Santa Comba Dão.
Em 2009 contei aqui, também num conto de Natal, a neura de um trabalhador da Visabeira que, com sacrifício, fizera a sua querida filha “doutora” para ela, depois, só ter conseguido arranjar um part-time num call center e uns meses de caixa no Intermarché a substituir uma grávida. Perante esta vida sem vida, a rapariga decidira emigrar para a Austrália e o nosso homem, roído de saudades antecipadas, cismava cheio de raiva: «Merda de país! Forma doutores para os pôr nas caixas dos supermercados…»
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Numa recente entrevista, Pedro Passos Coelho aconselhou os professores a emigrarem. Estas palavras fizeram arrepelar os cabelos da oposição.
O facto é que o primeiro-ministro não fez mais do que chover no molhado.
Corruptas e predadoras, as nossas elites desbarataram décadas de fundos comunitários e de receitas de privatizações e, com isso, provocaram uma hemorragia fatal: a nossa geração melhor preparada de sempre está, há anos, a ir-se embora. Os contos de 2009 e 2010 contam essa tragédia.
Quando todas as portas se fecham, a emigração pode ser para os nossos jovens o “animal que espeta os cornos no destino” de que fala Natália Correia no seu belo poema “Queixa das almas jovens censuradas”.
Agora os nossos novos emigrantes têm mundo, têm um computador carregado de informação na mochila e já não, como no tempo de Linda de Suza, uma mera mala de cartão.
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