História do homem que perdeu a alma num café

Daqui


Como de costume, José Augusto vai até ao café depois de sair do trabalho. Bebe uma ou duas cervejas. Vá lá, três. Até aqui, tudo bem. Pega no jornal e passa os olhos pelas gordas. Nada de particularmente importante. Depois, levanta-se e, de mãos nos bolsos, volta para casa a assobiar.

Em casa, repara que se esqueceu da alma no café. José Augusto fica aborrecido porque já tinha calçado as pantufas e porque a mulher lhe enche os ouvidos com censuras. A mulher está convencida de que a alma esquecida no café não passa de um pretexto para ele passar a noite fora a beber cerveja e até, quem sabe, a envolver-se noutras coisas.

De qualquer maneira, José Augusto volta ao café. Procura a alma na mesa onde estivera a beber. Mas a mesa e as cadeiras estão vazias. Os empregados dizem que se a alma tivesse ficado ali esquecida, eles teriam reparado. Afinal de contas, não é fácil uma alma passar despercebida. Seja como for, não deixam de lhe notar que nos tempos que correm não se pode confiar em ninguém e que é possível que outro cliente a tenha levado com segundas intenções.

José Augusto resigna-se à sua sorte e, com grande abundância de suspiros e ais, regressa a casa sem a alma. E embora fosse natural e até aconselhável, decide não apresentar queixa às autoridades.

Isto já se passou há bastante tempo. Mas ainda hoje José Augusto sente uma dor muito fina no local onde deveria estar a alma. Em especial durante a época de caça ao faisão. Ou será à perdiz? Não, é ao faisão.
Rui Manuel Amaral




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