Papel higiénico*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


1. Eis duas anedotas que circulavam nos regimes comunistas antes da queda do Muro de Berlim, lembradas por Slavoj Žižek no seu livro “O Ano Em Que Sonhámos Perigosamente”:

(i) Um trabalhador da Alemanha do Leste arranjou emprego na Sibéria e, como sabia que todas as suas cartas iam ser lidas pela censura, combinou com os amigos o seguinte: em carta a azul, tudo verdade; em carta a vermelho, tudo mentira.
Passado um mês, os amigos receberam uma carta com a inconfundível letra do emigrado escrita a azul: «Tudo é bom aqui, as casas são grandes e aquecidas, há muita comida, as lojas estão bem abastecidas, os cinemas passam muitos filmes ocidentais, as mulheres são lindas e gostam de namorar — a única coisa que cá falta é tinta vermelha.»

(ii) Na Polónia, um cliente chega a uma loja e pergunta: «Você não deve ter manteiga, pois não?»
Resposta da empregada: «Desculpe, a loja do lado de lá da rua é que não tem manteiga; nós não temos é papel higiénico...»

2. O papel higiénico é um clássico do desabastecimento comunista. Falha sempre. E, portanto, tinha que falhar no chavismo. Regime que, nos dezasseis anos em que governa a Venezuela, já derreteu mais de um bilião de dólares de proventos do petróleo — um balúrdio que dava para pagar bem mais do que uma dúzia de bancarrotas socráticas.


Imagem daqui
Veja-se o seguinte imbróglio kafkiano que aconteceu a um industrial venezuelano. Uma cláusula do contrato colectivo da fábrica impõe que os sanitários estejam sempre guarnecidos com papel higiénico; mal os rolos lá são postos, logo os “utentes” se apropriam daquela raridade; a seguir, vem o aviso implacável: se o papel higiénico faltar, há greve.

Em desespero, o industrial foi abastecer-se em força ao mercado negro. Azar. Alguém o chibou e ele teve uma visita da polícia chavista a ameaçá-lo de prisão. Lá teve ele de untar os bolsos dos polícias. Com dólares americanos.

É que o bolívar venezuelano nem para papel higiénico.

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