Os arquitectos super-estrelas*
* Texto publicado no Jornal do Centro em 8 de Maio de 2002, há treze anos e meio, e que vai ter o seu #2 amanhã no mesmo jornal
1. Na última Assembleia Municipal de Viseu, António Vicente, do PSD, mostrou preocupação sobre o Mercado 2 de Maio. João Paulo Rebelo, deputado municipal do PS, interrogou com oportunidade se “a montanha não teria parido um rato”.
Há duas questões a resolver naquele espaço: o comércio e a animação. E há uma outra resolvida: a obra da autoria de Siza Vieira.
As duas primeiras são indissolúveis: pôr gente lá dentro, dar vida ao Mercado 2 de Maio, passa pela qualidade dos projectos comerciais a instalar ali e pela qualidade dos projectos de animação. Há necessidade de competência, de técnica, de investimento, de criatividade e de perseverança.
Como é sabido, é bom começar as coisas com o pé direito. Este não começou. Vamos todos fingir que a abertura eleitoralista feita pelo PSD, em Dezembro, não existiu. Essa abertura precipitada contribuiu para os problemas que agora se vivem no Mercado 2 de Maio.
Até eu e a Candidatura do PS, que mais teremos sofrido com esse número eleitoralista, vamos fingir que esquecemos o “passo em falso”.
A questão de Siza Vieira e da qualidade do projecto arquitectónico também já não tem grande interesse. A coisa está lá, feita, com saibro e magnólias; ingratas magnólias chamei-lhes na última crónica. Estão lá as lojas para arrendar e as outras lojas já abertas, a necessitarem de outra dinâmica.
Não vale a pena a reacção do costume perante “o leite derramado”.
Ao trabalho de dar vida àquilo.
2. Mas regressemos ao princípio.
Um autarca, com uma obra destas entre mãos, precisa de fusíveis políticos, não vá ela – a obra – estalar-lhe nos dedos. E há uma solução que nunca falha: o autarca convida um arquitecto de prestígio. Quem resiste a um Siza, a um Souto, a um Salgado, a um Byrne?
O autarca ganha sempre em todos os tabuleiros. Não corre riscos políticos porque até a oposição se curva em reverência ao mestre. O autarca consegue um nome de peso para a Comissão de Honra da eleição seguinte. Se a coisa correr bem quem não verá, atrás das pedras belas da obra, o génio do autarca, esse Médicis contemporâneo? Se a coisa não correr tão bem, o nosso autarca tem sempre uma saída: atira os problemas para as costas larguíssimas do mestre. Está safo. Nunca falha…
3. Mas andemos mais para trás, para antes do princípio.
Esta forma de fazer as coisas instalou-se no país. Nunca houve tanto dinheiro nas autarquias como nos últimos seis anos. Havendo dinheiro há projectos de prestígio. Logo sai ajuste directo a arquitecto conhecido.
As grandes obras passaram a ser monopolizadas pelos arquitectos super-estrelas. São sempre os mesmos em todo o lado. Têm dezenas de obras em simultâneo. Os arquitectos mais novos não têm hipóteses de mostrarem o seu talento.
Isto está errado.
Uma obra tem dois momentos: a concepção e a execução. A concepção é muito importante, a cada dia de obra normalmente corresponderam antes dois dias de elaboração de projecto.
Quanto à execução não tem havido entorses: faz-se um Concurso, concorrem várias empresas, ganha uma. Há a concorrência, a fiscalização do Tribunal de Contas, etc.
Quanto à fase da concepção, mais importante ainda como ficou explicado, tudo é tratado no silêncio dos gabinetes.
Perdeu-se o hábito de lançar Concursos de Ideias, abertos a todos os arquitectos, nacionais e internacionais, e é pena. É nessa fase que a participação pública democrática, dos especialistas e dos cidadãos, faz o máximo sentido e não quando tudo o que é relevante já está decidido.
4. Se as barreiras comerciais aos produtos agrícolas do terceiro mundo fossem retiradas pelos países desenvolvidos, conforme mostra um estudo do Banco Mundial divulgado por Mike Moore, director-geral da Organização Mundial do Comércio, 320 milhões de pessoas seriam tiradas da pobreza até 2015.
Por exemplo, a Argentina, que está em colapso económico, faria mais 5 mil milhões de dólares por ano.
Mas esta medida de defesa de um comércio global mais justo provavelmente ofenderia o poderoso movimento antiglobalização sempre preocupado com o terceiro mundo.
1. Na última Assembleia Municipal de Viseu, António Vicente, do PSD, mostrou preocupação sobre o Mercado 2 de Maio. João Paulo Rebelo, deputado municipal do PS, interrogou com oportunidade se “a montanha não teria parido um rato”.
Há duas questões a resolver naquele espaço: o comércio e a animação. E há uma outra resolvida: a obra da autoria de Siza Vieira.
As duas primeiras são indissolúveis: pôr gente lá dentro, dar vida ao Mercado 2 de Maio, passa pela qualidade dos projectos comerciais a instalar ali e pela qualidade dos projectos de animação. Há necessidade de competência, de técnica, de investimento, de criatividade e de perseverança.
Como é sabido, é bom começar as coisas com o pé direito. Este não começou. Vamos todos fingir que a abertura eleitoralista feita pelo PSD, em Dezembro, não existiu. Essa abertura precipitada contribuiu para os problemas que agora se vivem no Mercado 2 de Maio.
Até eu e a Candidatura do PS, que mais teremos sofrido com esse número eleitoralista, vamos fingir que esquecemos o “passo em falso”.
A questão de Siza Vieira e da qualidade do projecto arquitectónico também já não tem grande interesse. A coisa está lá, feita, com saibro e magnólias; ingratas magnólias chamei-lhes na última crónica. Estão lá as lojas para arrendar e as outras lojas já abertas, a necessitarem de outra dinâmica.
Não vale a pena a reacção do costume perante “o leite derramado”.
Ao trabalho de dar vida àquilo.
2. Mas regressemos ao princípio.
Um autarca, com uma obra destas entre mãos, precisa de fusíveis políticos, não vá ela – a obra – estalar-lhe nos dedos. E há uma solução que nunca falha: o autarca convida um arquitecto de prestígio. Quem resiste a um Siza, a um Souto, a um Salgado, a um Byrne?
Siza Vieira, Alcino Soutinho e Souto Moura Fotografia daqui |
O autarca ganha sempre em todos os tabuleiros. Não corre riscos políticos porque até a oposição se curva em reverência ao mestre. O autarca consegue um nome de peso para a Comissão de Honra da eleição seguinte. Se a coisa correr bem quem não verá, atrás das pedras belas da obra, o génio do autarca, esse Médicis contemporâneo? Se a coisa não correr tão bem, o nosso autarca tem sempre uma saída: atira os problemas para as costas larguíssimas do mestre. Está safo. Nunca falha…
3. Mas andemos mais para trás, para antes do princípio.
Esta forma de fazer as coisas instalou-se no país. Nunca houve tanto dinheiro nas autarquias como nos últimos seis anos. Havendo dinheiro há projectos de prestígio. Logo sai ajuste directo a arquitecto conhecido.
As grandes obras passaram a ser monopolizadas pelos arquitectos super-estrelas. São sempre os mesmos em todo o lado. Têm dezenas de obras em simultâneo. Os arquitectos mais novos não têm hipóteses de mostrarem o seu talento.
Isto está errado.
Uma obra tem dois momentos: a concepção e a execução. A concepção é muito importante, a cada dia de obra normalmente corresponderam antes dois dias de elaboração de projecto.
Quanto à execução não tem havido entorses: faz-se um Concurso, concorrem várias empresas, ganha uma. Há a concorrência, a fiscalização do Tribunal de Contas, etc.
Quanto à fase da concepção, mais importante ainda como ficou explicado, tudo é tratado no silêncio dos gabinetes.
Perdeu-se o hábito de lançar Concursos de Ideias, abertos a todos os arquitectos, nacionais e internacionais, e é pena. É nessa fase que a participação pública democrática, dos especialistas e dos cidadãos, faz o máximo sentido e não quando tudo o que é relevante já está decidido.
4. Se as barreiras comerciais aos produtos agrícolas do terceiro mundo fossem retiradas pelos países desenvolvidos, conforme mostra um estudo do Banco Mundial divulgado por Mike Moore, director-geral da Organização Mundial do Comércio, 320 milhões de pessoas seriam tiradas da pobreza até 2015.
Por exemplo, a Argentina, que está em colapso económico, faria mais 5 mil milhões de dólares por ano.
Mas esta medida de defesa de um comércio global mais justo provavelmente ofenderia o poderoso movimento antiglobalização sempre preocupado com o terceiro mundo.
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