Música ambiente*
* Texto publicado hoje no Jornal do Centro
Num dos primeiros dias do ano, fui a um bar ter com uns amigos. Nunca lá tinha entrado. Achei-o agradável. Balcão bonito, espaço amplo e bem decorado, pessoas, muitas pessoas, em modo de sexta-à-noite. Tudo muito agradável aos olhos.
Atrás do balcão, fitadesivada, uma chalaça numa folha A4:
NÃO HÁ WI-FI, FALEM UNS COM OS OUTROS.
Lá me sentei à mesa.
Chegado por último, apanhei boleia na conversa que decorria animada. Era uma conversa anti-austeritária nas palavras, sem défice nenhum de argumentos e contra-argumentos, uma conversa sobre o desconcerto deste país a precisar de conserto. Às sextas-à-noite, entre amigos, salva-se o mundo, o país, a cidade. Salva-se a noite. É o melhor que há, desacordos concordados, bem-humorados, os casacos a enfumararem, depois arejam na varanda, muito vento à noite, era inverno naquela sexta-à-noite.
Entretanto, os decibéis da "música ambiente" foram aumentando, aparecera um "dijei", muito pro, muito concentrado nas suas "remixações". O som ficou alto. Muito alto.
O bar continuava agradável ao olhar. Por cima do som agora alto, em todas as mesas, as conversas estavam todas, também elas, mais altas. O "dijei" punha música em cima do ambiente, o ambiente punha conversa em cima da música.
Olhei à volta. Não havia espaço nenhum para dansação. Todas as pessoas, as das mesas e as do balcão, desouviam a "remix". Toda a gente falava com toda a gente, menos a namorada do "dijei", que, melancólica no seu vestido de sexta-à-noite, mexia, com a unha de gel, o gelo da caipirinha.
Um dos meus amigos chamou o dono do bar.
«Desculpe, pode dar-me a palavra-passe?»
«Não viu o aviso?», impacientou-se o homem todo "não-há-wi-fi-conversem-uns-com-os outros".
«Sabe, meu caro», gritou o meu amigo, porque tinha de ser a gritar, «era mesmo para falarmos uns com os outros. No messenger.»
Imagem não do bar desta história, mas daqui |
Atrás do balcão, fitadesivada, uma chalaça numa folha A4:
NÃO HÁ WI-FI, FALEM UNS COM OS OUTROS.
Lá me sentei à mesa.
Chegado por último, apanhei boleia na conversa que decorria animada. Era uma conversa anti-austeritária nas palavras, sem défice nenhum de argumentos e contra-argumentos, uma conversa sobre o desconcerto deste país a precisar de conserto. Às sextas-à-noite, entre amigos, salva-se o mundo, o país, a cidade. Salva-se a noite. É o melhor que há, desacordos concordados, bem-humorados, os casacos a enfumararem, depois arejam na varanda, muito vento à noite, era inverno naquela sexta-à-noite.
Entretanto, os decibéis da "música ambiente" foram aumentando, aparecera um "dijei", muito pro, muito concentrado nas suas "remixações". O som ficou alto. Muito alto.
O bar continuava agradável ao olhar. Por cima do som agora alto, em todas as mesas, as conversas estavam todas, também elas, mais altas. O "dijei" punha música em cima do ambiente, o ambiente punha conversa em cima da música.
Olhei à volta. Não havia espaço nenhum para dansação. Todas as pessoas, as das mesas e as do balcão, desouviam a "remix". Toda a gente falava com toda a gente, menos a namorada do "dijei", que, melancólica no seu vestido de sexta-à-noite, mexia, com a unha de gel, o gelo da caipirinha.
Um dos meus amigos chamou o dono do bar.
«Desculpe, pode dar-me a palavra-passe?»
«Não viu o aviso?», impacientou-se o homem todo "não-há-wi-fi-conversem-uns-com-os outros".
«Sabe, meu caro», gritou o meu amigo, porque tinha de ser a gritar, «era mesmo para falarmos uns com os outros. No messenger.»
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