Do consenso e do dissenso
Isabel Moreira Fotografia de Nuno Ferreira dos Santos |
Miguel Fernandes não gostou desta ideia de Isabel Moreira:
“A política é feita de dissenso, e este consenso de que Cavaco Silva fala só seria possível matando as ideologias.”
Devo-lhe dizer que o pensamento de Cavaco Silva não tem nenhuma sofisticação democrática, nem nunca teve, pelo que Isabel Moreira, de longe a melhor deputada da oposição nesta legislatura, tem mais que razão.
Fica o que penso sobre esta matéria.
Em democracia, o dissenso é bom e o consenso é bom.
É indispensável o dissenso sobre as políticas, é imprescindível o consenso sobre as regras.
A terceira república, em grave crise de credibilidade, teve um tempo em que era possível fazer as necessárias reformas institucionais — as tais "regras" — sem grandes custos políticos.
Recomendei-o aqui na altura — era necessário aproveitar aquele período excepcional em que não houve política em Portugal, em que havia só o "toque-de-caixa" da Troika e dos credores, período que não se sabia quanto tempo ia durar.
Acabou por durar quinze meses, entre a tomada de posse do governo e o episódio da TSU, em Setembro de 2012. Foram quinze meses perdidos por Pedro Passos Coelho e António José Seguro.
Eles deviam, então, ter feito a reforma institucional da terceira república:
— prazos menos gongóricos de forma a que entre a queda de um governo e a tomada de posse de outro não seja preciso meio ano mas sim três semanas;
— aproximação eleitos/eleitores;
— exclusividade parlamentar;
— menos deputados;
— um único mandato presidencial para não termos um PR durante cinco anos a só pensar na sua reeleição;
— mais exigência ética;
— câmaras monocolores;
— efectivo poder fiscalizador das assembleias municipais, incluindo o de porem moções de censura ao executivo;
— ...
Isto é, os partidos que por enquanto valem 2/3 de votos, deviam ter procurado o consenso sobre as regras. PPC e AJS falharam clamorosamente, mostraram a sua falta de estatura política. Podiam ter ficado na história da terceira república em um pouco mais que uma nota de rodapé.
Quanto a AJS, acabou por ser vítima da sua omissão: em Julho de 2013, aquando da demissão "irrevogável" de Paulo Portas, ele queria a dissolução do parlamento mas o país não tinha prazos institucionais para poder apresentar com rapidez um novo governo. O parlamento não podia ser dissolvido. AJS pode ter perdido, aí, a possibilidade de alguma vez chegar a primeiro-ministro.
Regressando ao ponto: para além do problema das "regras", das matérias institucionais, em que mais o consenso é necessário?
Não tenho dúvida nenhuma — a terceira república em quarenta anos já teve que pedir intervenção externa três vezes. É desgostante. É uma vergonha.
Os partidos devem também consensualizar níveis de défice/dívida que impeçam a quarta bancarrota e consequente amarrotamento da nossa autonomia e capacidade de auto-governo.
Em mais nada deve haver consenso.
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