A titia

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente quatro anos, em 23 de Abril de 2010

1. Está a comemorar-se o centenário da primeira república mas as pessoas sabem pouco do que aconteceu nos 16 anos que ela durou e as razões que levaram ao 28 de Maio de 1926 e à ditadura.

Nos nossos dias, apesar do autismo e da corrupção das elites, não se adivinha nenhum pronunciamento militar. A nossa democracia tem tido solidez porque evitou dois erros da primeira república: evitou querelas com a igreja católica e fugiu do parlamentarismo como o diabo foge da cruz.

Só com José Sócrates se começou a resolver alguma da matéria de costumes que tem a oposição da igreja. Mas estes avanços nos costumes não alteram o essencial: o nosso regime não é jacobino. A tolerância de ponto concedida para a visita de Bento XVI quer dizer exactamente isso.

O problema do parlamentarismo é muito mais bicudo. É verdade que os deputados e os senadores da primeira república não aceitavam ordens de ninguém, nem de Afonso Costa. O poder forte era o legislativo, não era o executivo.

Com medo que tal se repetisse com a actual assembleia da república caiu-se no extremo oposto. Foram criados mecanismos de “disciplina” dos deputados que fazem António Barreto dizer cheio de razão: "os deputados são servos e gostam de ser servos". Basta lembrar o défice de coluna vertebral dos deputados professores do PS na anterior legislatura.


2. «Manso é a tua tia, pá!», respondeu Sócrates a Francisco Louçã no parlamento. Este episódio anódino, embora de má gramática, levantou um enorme escarcéu nos media que estão atulhados de virgens púdicas.

Recordo um pequeno factóide da primeira república: em Dezembro de 1913, em plenos trabalhos, o senador João de Freitas apontou uma pistola à cabeça do senador Artur Costa, irmão de Afonso Costa.

Compare-se esta coboiada com a inocente titia de Louçã.

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