In memoriam ou a morte do outro


Imagem de Denis Rouvre


Abraçámo-nos como dois animais
indefesos à mercê do destino
com a alma partida de dor. E chorámos
sobre os nossos ombros esta pobre aventura
da vida à qual alguém, num mau sonho,
nos condena. Sentimos,
quando só saíam lágrimas da tua boca
e da minha, o fracasso de ser homens
e esse inútil consolo de partilhar
toda a nossa desgraça.
Estava a sala escura, tal qual o mundo,
árido o ar e sem alento como o nosso coração,
junto de nós não havia ninguém,
apenas o corpo de um homem face
à dura solidão da morte, e ao fundo vozes
de homens vivos que desprezavam viver.

Ao longo das horas e ao longo dos seres
a noite foi vertendo entre nós a sua cinza,
o seu demónio e o seu nada entre os que velávamos
aquele corpo defunto. Num canto uma mulher
gritava em vão a um deus que não existia.
E era a dor quem falava
ao estar abandonada diante da solidão,
ao sentir em seu redor o mundo desolado,
ao ver como o tempo arrebatava tudo e o homem
nada é neste cruel castigo da vida.
Como é absurdo amar diante da morte.

E queimaram-nos ainda mais os olhos
durante toda a noite aquelas súplicas
de desespero, sabermos
que nenhum tempo nem nenhum mundo
acolheria aquele corpo,
que depois da morte não há mais além
a não ser a hostil razão da matéria.

O pó nesse homem voltava ao pó
e ao nada o tempo, tal como a consciência
que até há pouco existiu.
E gelou-se-nos o sangue ao contemplar
que essas mãos sem vida tantas vezes
pegaram nas nossas, e essa boca que te beijou
e a mim falava de amizade
agora está parada e muda respirando o silêncio,
e esses olhos fechado, porque só na escuridão
se vê o vazio.

E pensámos, com as mãos tapando-nos
o rosto de terror, que esse pó,
esse nada, essa falta de consciência
era o futuro do nosso ser e o homem
um extravio da natureza
que a natureza ao fim negava.

E que esse dia que pouco a pouco se anunciava
limpo de ouro e de azul sobre a cal
do pátio, que fortalecia de luz o limoeiro,
podia ser o dia da nossa morte.
Diego Doncel


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