Quero saber

Fotografia de Harry Callahan



Diz-me depressa o segredo da tua vida;
quero saber porque a pedra não é pluma,
nem o coração uma frágil árvore,
nem porque essa criança que morre entre duas veias-rios
não parte para o mar como todos os barcos.

Quero saber se o coração é uma chuva ou orla,
o que fica de lado quando dois se sorriem,
ou se é apenas a fronteira entre duas jovens mãos
que cingem uma pele ardente e imutável.

Flor, risco ou dúvida, ou sede ou sol ou látego.
O mundo inteiro e único, a ribeira e a pálpebra,
esse dourado pássaro que dorme entre os lábios
quando a alba penetra no dia lentamente.

Quero saber se uma ponte é ferro ou é desejo,
esse esforço para unir duas carnes íntimas,
essa separação dos peitos atingidos
por uma flecha nova surgida dentre a folhagem.

Musgo ou lua são o mesmo, o que a ninguém surpreende,
essa lenta carícia que de noite os corpos
percorre como uma pluma ou lábios que agora chovem.
Quero saber se o rio se afasta de si mesmo
cingindo as formas em silêncio,
cataratas de corpos que se amam como espuma,
até desembocarem no mar como o prazer consentido.

Os gritos são chibatas, eriçados espinhos,
vivo desespero de ver os curtos braços
erguidos para o céu suplicando à lua,
doloridas cabeças que no alto dormem, vogam,
sem respirar sequer como lâminas turvas.

Quero saber se a noite vê em baixo
brancos corpos de tela estendidos na terra,
falsas rochas, papelões, fios, pele, água parada,
pássaros como lâminas cravadas no chão,
ou ruídos de ferro, floresta virgem do homem.

Quero saber, altura, mar vago ou infinito,
se o mar é essa oculta dúvida que me embriaga
quando o vento trespassa transparentes crespões,
sombra, pesos, marfins, longas tempestades,
o esquálido cativo além invisível debatendo-se,
ou matilha de doces armadilhas.
Vicente Aleixandre

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