A um pássaro



Cristal de azul, chamado 
pela canção das asas,
um novo dia pousa sobre as casas; tu, 

coração, de pássaro fulgindo,
corpo do bem-amado 
amor que abre na noite o arvoredo. em fogo, 

oculto em luz, agora
quem dera ouvir a fábula, o enredo 
a rede que nas horas se desprende. 

em minha mão humana
não pousam, que passavam, os cantantes 
nomes vivos das aves. erguer-me: 

em claridade voas. terra
a nenhuma memória subjugada, chama 
sulcando o ar, que fontes 

de bruma incendiadas levantaram
a simples melodia do teu canto? 
neve 

alada,
ouvir sem voz o vivo vento, corpo 
de melro ou cotovia ou nome absoluto 

no espaço de ar, a vibração da cor;
ou santo colibri, volátil signo; 
ou palavra de cego acorrentado; 

que luz, em tuas folhas, te deu sombra
e harmoniosa, passageira concha? 
que livre amor te inventa, derradeiro 

sinal da noite ardendo em meio-dia? ou tu,
eternamente repetindo o instante 
em teu cinzel de azul nos desejaste? 

nenhum secreto nome, nenhum mito
te habita rouxinol ou sapo aflito 
mas o sopro da aurora nas colinas; 

és, na ramagem, folha que contempla;
trapo de céu, ou rio que cegos vemos, 
a transparência que o pudor vestiu.  
António Franco Alexandre

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