Fachadas *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 31 de Outubro de 2014

1. À medida que as cidades crescem, os seus centros tradicionais perdem comércio, actividade, prestígio — em suma: perdem poder. É que o mundo em rede em que vivemos já não precisa de um centro, ou, dito de outra forma, o centro agora está em todo o lado.

Até o poder político é cada vez mais desterritorializado. Já não se trata só de um líder poder comunicar a partir de qualquer lado com os cidadãos, é a própria decisão política que é móvel. Obama assina decretos a voar no Airforce One. O conselho de ministros reúne "electronicamente", mesmo com os ministros espalhados no mundo, como recentemente aconteceu por causa do BES. O próprio António Almeida Henriques tem-se entretido a reunir a câmara de Viseu de freguesia em freguesia.

A este esvaziamento funcional e simbólico do centro das cidades tem correspondido o que Daniel Innerarity, em O Novo Espaço Público, chama a “musealização dos centros históricos”. 

Fotografia Olho de Gato
Estes vão sendo remetidos cada vez mais à condição de cenários nostálgicos para turista ver.

2. A câmara de Viseu acaba de aprovar um incentivo de seis euros por metro quadrado para a recuperação de fachadas. Esta decisão merece aplauso. Décadas de rendas congeladas e de inacção pública e privada deixaram o património edificado cheio de feridas que precisam de ser saradas.

Os vereadores socialistas, embora apoiem a medida, não concordam que ela tanto beneficie proprietários ricos como pobres.

Mas será relevante e desejável diferenciar fachadas de casas conforme os rendimentos dos proprietários? Não creio, neste caso.

Uma boa “musealização” e “cenarização” dos centros impõe que sejam tratadas tanto as feridas “ricas” como as feridas “pobres”. E há um outro factor a ter em conta — quanto mais complexos forem os regulamentos, mais se gasta em burocracia e “custos de verificação”. E mais medra o arbítrio político.

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