António José Forte — (1) excepto tu meu amor excepto tu meu amor; (2) GNR ou armas


1

EXCEPTO TU MEU AMOR EXCEPTO TU
MEU AMOR

minha aranha mágica agarrada ao meu peito
cravando as patas aceradas no meu sexo
e a boca na minha boca

conto pelos teus cabelos os anos em que fui criança
marco-os com alfinetes de ouro numa almofada branca
um ano dois anos um século

agora um alfinete na garganta deste pássaro
tão próximo e tão vivo
outro alfinete o último o maior
no meu próprio plexo

MEU AMOR
conto pelos teus cabelos os dias e as noites....
e a distância que vai da terra à minha infância
e nenhum avião ainda percorreu
conto as cidades e os povos os vivos e os mortos
e ainda ficam cabelos por contar
anos e anos ficarão por contar

DEFENDE-ME ATÉ QUE EU CONTE
O TEU ÚLTIMO CABELO
António José Forte

2

"(...)
Pouco se sabe sobre a vida de António José Forte até à sua chegada ao café Gelo, no Rossio, em 1957. Era um dos mais velhos. Tinha quase 30 anos. E um dos menos burgueses. Filho de um funcionário dos Caminhos de Ferro, nasceu na Póvoa de Santa Iria e cresceu em Vila Franca de Xira vivendo sempre na casa da estação ferroviária. Tinha o curso da escola Técnica, o equivalente ao 9º ano. Não se sabe em que especialidade. Sabe-se que falava pelo menos duas línguas estrangeiras, que conhecia profundamente a poesia portuguesa mas que foi no Gelo que se lhe abriram as janelas para outros horizontes. Um verdadeiro autodidata. Foi empregado de escritório numa empresa de metalomecânica e depois foi encarregado das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, que com elas percorreu o país todo. Que levou para Vieira do Minho o seu amigo Luiz Pacheco, para lhe fazer companhia nas viagens (foi nesses meses que Pacheco escreveu o famoso livro O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor).

Mas o idílio de Forte e Pacheco haveria de acabar quando o pároco de uma das aldeias por onde passava a biblioteca os acusou de estarem a distribuir “propaganda evangélica”, assolou os paroquianos e, sobretudo, as paroquianas, contra eles, atiraram os livros ao chão, destruíram outros.
Forte, que não era para meias medidas, escreveu de imediato à direção da Gulbenkian a contar o sucedido e a pedir que lhes mandassem uma escolta da GNR ou que lhes dessem armas.
(...)" 
Joana Emídio Marques, Observador, + aqui

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