Um sonho

Fotografia de JC Dela Cuesta


Um sonho.

Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.

Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Esmaiece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaiece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...

Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...

Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contactos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...

As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...

Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
Eugénio de Castro


Comentários

  1. Bom dia e boa semana.

    Da Séria - “No tempo em que” havia músicos a fazer intervenção política.
    Hoje: evoco hoje um dos grandes de França - Léo Ferré, “la voix sans maître”.

    Quase a fazer 50 anos de Maio 68 tenho a certeza de que Ferré, e os compagnon de route, nunca vão receber o Prémio Nobel. Nunca se vergaram ou venderam!

    Na Primavera de 1967 houve uma greve dos trabalhadores na fábrica RHODIA CETA em Besançon. Pela primeira vez desde 1936, e um ano antes dos acontecimentos de Maio de 1968, os trabalhadores decidem ocupar as fábricas. Uma greve contra a diminuição dos salários, o desemprego, mas sobretudo uma crítica global à política francesa e à sociedade (a estupidificação do trabalho, das vidas…).

    A greve foi “abafada” pelos media e a informação enquadrada, monitorada e orquestrada pelo Ministro da Informação. A luta só ficou para a posteridade porque um cineasta (Chris Marker) decidiu registar os acontecimentos e o impacto nos trabalhadores e suas famílias. O filme passou na tv francesa em 1968….

    Para uma geração inteira, a vida mudará radicalmente nessa data – 1968!

    Léo Ferré tomou conhecimento da greve, durante a sua ocorrência, e decidiu fazer a canção (pouco conhecida) - “La grève”. Ferré construiu um poema que satiriza a "servidão voluntária", o imobilismo, a submissão do povo e “pecado” de fazer greve!!!

    “Mais faut jamais, même en rêve
    Faut jamais faire la grève”

    Léo Ferré, “la voix sans maître”, um músico de causas que o poder gosta (ainda hoje) de esquecer.

    « Le seul honneur pour un artiste, c’est de n’en pas avoir. » (Agosto de 1984)

    LÉO FERRÉ –“La grève”
    https://youtu.be/XDJpiGF5s30

    Tu paieras ta télévision
    Avec tes Gauloises manquées
    Tu paieras ton lapin-vison
    A la Sociale Sécurité
    T'enverras des fleurs à ta mère
    Avec le reste de tes soucis
    Tu mettras de l'eau dans ton verre
    Le vin ça fout la maladie

    Mais faut jamais, même en rêve
    Faut jamais faire la grève

    Tu passeras une fois par mois
    Prier Notre Dame des petits fours
    Si par hasard tu n'as plus d' croix
    On te filera une croix d' secours
    La prière ça monte tout droit
    Comme la fumée des hauts-fourneaux
    A moins qu'y ait l' vent qui passe par là
    Alors... alors t'as prié pour la peau

    Mais faut jamais, même en rêve
    Faut jamais faire la grève

    T'auras du foin chez ton tabac
    T'auras de l'avoine pour tes 2 Chevaux
    En disant comme les Auvergnats
    C'est Shell que j'aime pour mon bestiau
    Tu prendras ta femme dans tes bras
    Du moins c' qu'en ont laissé les gosses
    Que tu lui fais tous les dix mois
    Faut bien trente jours pour faire la noce

    Mais faut jamais, même en rêve
    Faut jamais faire la grève

    Quand t'auras l' temps t'iras voter
    En montrant tes papiers d' souverain
    Pour envoyer ton député
    Faire les conneries qu' tu ferais bien
    Si par hasard on t' fait savoir
    Que le pain, le boulot, la liberté
    Se sont fait faire sur le trottoir
    Comme une gonzesse... t'auras gagné

    Alors, des fois, même en rêve
    Tu pourrais p't'êt' faire la grève
    Alors, des fois, même en rêve
    Tu pourrais p't'êt' faire la grève

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