Chuis da linguagem*

* Hoje no Jornal do Centro


Escrevo este Olho de Gato na tarde de terça-feira de carnaval. Está um griso áspero que põe roxas as peles à mostra dos nossos carnavais.
Em Lazarim, no momento em que teclo estas palavras, os compadres estão a “divulgar” as “fressureirices” das comadres e estas as “paneleirices” deles. 


Fotografia Olho de Gato 
2008
Se não forem estas designações, que já lá ouvi, serão outras parecidas. É que os chuis da linguagem ainda não entram naquele genuíno e libérrimo entrudo. Mas vão querer entrar. E quem defende a liberdade de expressão vai ter que os parar. Nos três dias de carnaval. E nos restantes 362.

Não há dia em que não se saiba de mais um caso de censura. Ou são uns “ofendidinhos da silva” que se sentem “agredidos” por um quadro num museu, ou é um livro que “estereotipa” e é subtraído do mercado ou tirado dos programas escolares.

Acaba de acontecer isso a “Aventuras de Huckleberry Finn” num distrito escolar do Minnesota. Os alunos vão deixar de estudar o livro de Mark Twain porque, apesar de ser um livro anti-racista, os censores acham que, como repete várias vezes a palavra “nigger”, os alunos podem sentir-se “humilhados e marginalizados”. Estamos nisto: agora lêem-se e julgam-se os clássicos à luz das vivências contemporâneas.

Nuns rascunhos de há quarenta anos, Woody Allen riscou idades de personagens femininas na casa dos vinte e escreveu por cima nuns casos dezassete, noutros dezoito anos. A partir desses esboços amarelecidos pelo tempo, arquivados na Universidade de Princeton, justiceiros à procura de cinco minutos de fama concluem que o realizador tem “uma obsessão vívida por mulheres jovens e raparigas”.

Raparigas de dezassete anos. Desvergonhado. Merece fogueira. Há que pôr as obras dele no “index filmorum proibitorum”. Todas. Não esquecer de queimar todas as cópias de “Annie Hall” ou do sublime “Stardust Memories”.

O politicamente correcto está a pôr uma burca na liberdade de expressão. Há que lhe resistir. Sem medo.

Comentários

  1. Há que resistir!

    Roberto Carlos - "É Proibido Fumar" (1964)
    https://youtu.be/PzrrTwwOCYY

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  2. Sr. Joaquim Alexandre:
    Perante um post deste género, espero que não censure este comentário. Claro que é livre de o fazer.
    A liberdade é uma das maiores conquistas da dita civilização Ocidental. Mas…
    Tudo agora é censura e a liberdade de expressão permite tudo.
    É necessário contextualizar as obras literárias, a ficção, a arte, ….
    Mas, onde começa e acaba a liberdade de expressão?
    Não há limites? Se as pessoas se sentem ofendidas com conceitos como racismo, desigualdade do género, abusos de todo o tipo, não têm a liberdade de o sentir e de o manifestar? Tudo é possível em qualquer contexto? O cartoon, as sátiras permitem críticas sociais, políticas, culturais… Mas há limites.
    Por exemplo:
    A escravatura faz parte da vergonha da dita civilização ocidental. É passado, certo? Mas os recursos explorados, humanos e naturais, pela colonização, esvaziaram o direito a uma vida digna de muitos povos e de milhões de seres humanos. Quem lucrou e continua a lucrar? O Homem civilizado, o Papalagui ( é uma obra aconselhável, nestes contextos).
    Os ícones do cinema, da literatura,…são todos irrepreensíveis, inatingíveis e superiores ao comum dos mortais, apenas porque o seu QI é elevado?
    O racismo já acabou?
    Então não devemos referenciar a igualdade como um valor e como um direito humano?
    O senhor, enquanto professor sabe perfeitamente que a crueldade e o bulling nas escolas é frequente e deixa marcas…Então…
    Há exageros? Muitos, talvez. Oportunismos? Também. “Queimar” obras de arte ou melhor, quem as fez? Talvez.
    Mas todos sabemos que não é assim em todas as situações.
    É uma mera e singela opinião de quem sabe pouco, mas que tem um sentido que vai de encontro ao respeito pelos: “ DIREITOS HUMANOS”.


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